Com o advento da lei
12015/09, o legislador propicia uma verdadeira
tsunami no parte do Código
Penal referente aos crimes sexuais, antes tratados sob a rubrica de “crimes
contra os costumes”, doravante tratado por “crimes contra a dignidade sexual”.
Dentre as muitas
alterações, cita-se o tipo penal do 213, estupro, que ganha nova previsão que
traz reflexos diretos quanto a sua subsunção.
Nesse sentido, assim
estabelece o citado texto normativo:
Art. 213.
Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção
carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclusão,
de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1º Se
da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de
18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena -
reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos
§ 2º Se
da conduta resulta morte:
Pena -
reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos
Percebe-se então, que além da palavra “alguém”, o
legislador insere outra elementar, “praticar ou permitir que com ele se
pratique outro ato libidinoso”. Da
primeira, observa-se a possibilidade de
não apenas mulheres, mas também homens passam a ser considerados sujeitos
passivos do crimes de estupro, enquanto que da segunda se extrai a percepção de
que não apenas a conjunção carnal (cópula vaginal), mas também os atos
libidinosos (“fellatio ou irrumatio in ore, o cunnilingus,
o pennilingus, o annilingus (sexo oral); o coito anal, inter femora; a masturbação; os toques
e apalpadelas do pudendo e dos membros inferiores) (PRADO, 2009, p. 209).
Evitando o juridiquês, pode-se considerar a conjunção carnal a penetração do
pênis na vagina, enquanto que os atos libidinosos teriam uma compreensão
subsidiária, alcançando assim todos os demais atos de cunho sexual.
Considerando o verbo “constranger”, trazido no
início do texto normativo, a doutrina identifica a compreensão do verbo próximo
à ideia da coação, utilizado aqui no
sentido de forçar, obrigar, subjugar a vítima ao ato sexual.
Avançando na
compreensão da nova previsão normativa do tipo penal de estupro, identifica-se
a manutenção das elementares da violência ou grave ameaça que, numa percepção
jurídica desdobram-se na violência física (vis
absoluta) ou moral ( vis compulsiva),
de onde se observa que não apenas pratica a conduta típica o ato sexual
decorrente de conjunção ou outros atos libidinosos por meio da utilização da
força física, mas também a conduta decorrente da coação moral, inclusive
praticada contra pessoa distinta da vítima.
Nesse sentido veja-se o
exemplo trazido pela doutrina:
Assim, por
exemplo, poderá ser levada a efeito diretamente contra a própria pessoa da
vítima ou pode ser empregada, indiretamente, contra pessoas ou coisas que lhe são
próximas, produzindo-lhe efeito psicológico no sentido de passar a temer o
agente. Por isso, a ameaça deverá ser séria, causando na vítima um fundado
temor do seu cumprimento.
[...]
Assim, imagine-se
a hipótese daquele que, sabendo da infidelidade da vítima para com seu marido,
a obriga a com ele também se relacionar sexualmente, sob pena de contar todo o
fato ao outro cônjuge, que certamente dela se separará. (GRECO, 2011, p. 9)
A importância desta análise traz reflexos diretos
para a compreensão de uma tentativa de resposta ao questionamento feito no
título deste texto.
Ademais é também relevante destacar que a nova previsão
do crime de estupro, seguindo as
diretrizes trazidas pela Lei 12015/09 reflete uma evidente preocupação
do legislador em adequar o texto
normativo penal à Constituição Federal, tutelando-se doravante não mais apenas
a “liberdade sexual”, mas sim a dignidade sexual, corolário natural da
dignidade da pessoa humana, bem jurídico tutelado e previsto nos termos do art.
1, III, CF.
Pari
passu é evidente que a sociedade muda e com ela a
compreensão do fenômeno jurídico, que não pode se aprisionar numa exegese
literal do texto de lei sob pena de se “engessar” a interpretação.
Identifica-se por fim que, graças a esta nova
previsão normativa, não mais pairam dúvidas quanto a possibilidade da
participação e co-autoria da mulher no crime de estupro, bem como a autoria
mediata desta.
Há ainda a
possibilidade de qualquer pessoa ser autora mediata do crime de estupro,
situação que pode ocorrer, por exemplo, quando uma mulher convencer um homem,
doente mental, a manter conjunção carnal, mediante violência, com outra mulher.
(NUCCI, 2012, p. 945)
Considerando ainda o concurso de pessoas, a
jurisprudência entende ainda não ser exigível que todos estejam no mesmo
ambiente constrangendo a vítima ao mesmo tempo, bastando que se apresentem no
mesmo cenário, dando apoio, um à prática delituosa do outro. Nesse sentido:
Cabe reconhecer
a solidariedade voluntária e consciente a envolver dois ou mais agentes para a
prática do estupro, mesmo se na culminância do ato momentaneamente venham a se
isolar e locais contíguos, tanto em proveito da concupiscência, como ante a
circunstância de subjugarem cada qual vítima diversa, visto manterem o domínio
funcional dos fatos e emprestarem recíproca colaboração ao êxito do resultado a
que afluíam suas vontades. (Ap.169.148-0, São Paulo, 3ª C., rel. Gonçalves
Nogueira, 31.10.1994, RT 713/341).
O julgado acima transcrito data de 1994, portanto
bem anterior portanto às novas disposições do crime de estupro, quando sua
tipificação não incluía a elementar dos atos libidinosos. Assim como se deve
interpretar o julgado citado a luz das novas previsões normativas trazidas pela
lei 12015/09?
Ademais, considerando também as novas relações
sociais trazidas principalmente pela informática e as elementares do tipo penal
do estupro que, repita-se volta-se a uma tutela da “dignidade sexual do
indivíduo” e tem sua subsunção a partir da prática de uma nova previsão
normativa é se propõe a seguinte
provocação:
Seria possível estupro por meio do sexo virtual?
REFERÊNCIAS
GRECO, Rogério. Curso
de direito penal, Vol. IV, Rio de
Janeiro: Impetus, 2007.
NUCCI. Guilherme de Souza. Código penal comentado. 11 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais
2012.
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais
2012.
[1] Advogado.
Pós Graduado em Direito Público pela FABAC. Professor de Direito penal,
Tributário e de Hermenêutica Jurídica da Faculdade APOIO UNIFASS.
Trago o entendimento que sim, com o advento da Lei 12015/09, por conta da coação moral, na consumação no caso do meio virtual, que fere também o Principio da Dignidade da Pessoa Humana, perante o ato libidinoso que absolve todos os meios genéricos não mencionado na codificação.
Podemos citar um caso em que é feita a utilização da Webcam, a mulher coagida moralmente tenha que tirar a roupa frente ao aparelho para transmissão, para que o agente possa aflorar sua libido.
Entendo que mesmo distante há a sua consumação.
Jean Cerqueira Lima
5º Semestre, Direito, Faculdade Apoio
Estupro
ResponderExcluirArt. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
Sim, segundo a nova redação do CP seria possível.
Todavia afirma Luiza Nagib Eluf:
“[A lei] tinha que ter detalhado melhor o que são esses atos libidinosos. Quando fala em outro ato libidinoso pode ser qualquer ato. O direito penal tem que ser muito preciso e claro. Relação oral ou anal forçada é sim comparável ao estupro, mas outros atos já não são.”
O que é ato lidibinoso ? Um beijo roubado seria um ato libidinoso ?
Seria importante que a lei 12015/09 detalhasse o que é outro ato libidinoso.
Damu Majid
Sim. Com base no artigo 213 CP, que considera além da conjunção carnal, também, os atos libidinosos como prática deste crime. Sendo portanto, ato libidinoso a ação de satisfazer a libido, à vítima pode ser constrangida virtualmente a satisfazer o "apetite sexual" do agente. Como o bem jurídico tutelado pelo art. 213 é a dignidade sexual, no caso de estupro virtual a vítima tem a sua dignidade sexual ofendida! (perdoem a redundância)
ResponderExcluirPrezados,
ResponderExcluirDesde já agradeço os comentários e fico feliz que tenhamos dado "início" ao debate neste novo espaço criado pela Coordenação de Direito.
Como dito em sala - e já até jurisprudência sobre isso - a possibilidade só seria possível na modalidade de coautoria, haja vista que à distância não seria possível a subsunção da conjunção carnal, tampouco dos atos libidinosos. Penso que na hipótese de co-autoria um agente poderia por meio de coação moral, orientar seu comparsa nos atos libidinosos praticados contra a vítima. Sendo que neste caso o agente que está presente com a vítima responderia por estupro e o outro agente tb responderia, na modalidade de co-autoria, afinal como já dito por um de vcs, o estupro de consuma não apenas mediante a violência física mas tb mediante a grave ameaça.
Não,pelo fato do constrangimento ser virtual a vítima poderia cessar o ato a qualquer momento,salvo se uma terceira pessoa participasse ai sim poderia haver um estupro, mas
ResponderExcluirsó na modalidade de co-autoria.
portanto no meu entendimento não é possível estupro nesse caso, pelo fato de não ter nenhum contado entre autor e vítima.
Renan Macedo 5° semestre
ENTENDO que somente seria possível na modalidade de coautoria, tendo em vista que a distância não seria possível à conjunção carnal e a pessoa que se encontra do outro lado “poderia a qualquer tempo” desconectar-se, quiçá evitar que tal conversa chegasse a tal ponto.
ResponderExcluirO Artigo diz:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Partindo da premissa do que menciona o artigo, posso dizer que sim, mas vejo essa possibilidade por contar da pratica de ato libidinoso mediante grave ameaça.
É possível o estupro por meio virtual, ameaça, constrangimento dentre outros, porém torna-se impossível o estupro por meio do SEXO VIRTUAL onde não há o contato físico, uma vez que o sexo virtual é praticado à distância sem contato físico e a conjunção carnal bem como o ato libidinoso, pressupõe o contato físico.
ExcluirMas se considerada a modalidade da co-autoria praticada por meio de coação moral isso é irrelevante Darthagnan...
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirConstranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, o que diz parte do art.213 cp, o crime pode se configurar sim. Mais com a modalidade de co-autoria, no momento em que o agente utilizando –se dos meios virtuais ( Web cam, facebook, Orkut, etc ), consegue enviar comandos para uma outra pessoa presencial a cometer o tipo penal.
ResponderExcluirGustavo Santos, 5° Semestre de direito.
Caro professor Milton Vasconcellos e amigos de sala: Com base nos últimos ensinamentos dos art. citado em sala, e para poder ir mais alem em nossos conhecimentos. Se o agente penetra em uma residência furta algo nela, estupra mãe e filhas, e esse crime é orientado virtualmente por outra pessoa, estaremos diante de um estupro virtual continuado, concurso formal de crimes ou os dois? Podemos falar em concurso material?
ResponderExcluirNeste caso que vc cita vou me ater ao crime de estupro, que é o objeto do nosso curso, ok?
ExcluirCom o advento da Lei 12015/09 o legislador altera o tipo penal do art. 213, CP (estupro) permitindo assim que este possa ser praticado também pela prática de atos libidinosos e não apenas mediante a conjunção carnal. Considerando ainda as elementares de violência ou grave ameaça, a doutrina extrai dois tipos de violência possíveis: a física ou a moral.
Dessa forma numa hipótese de co-autoria, onde o agente vale-se de coação moral para orientar seu comparsa à prática do ato penso que seria sim possível a defesa da autoria mediata do crime de estupro por meio da coação moral, ainda que coator e coagido estivesse em locais distintos (como é o caso do sexo virtual). Observe que, seu comparsa coagido teria como defesa a hipótese de coação moral irresistível, atraindo a incidência do art. 22, CP sendo punido apenas o autor da coação. Uso portanto a palavra "comparsa" para facilitar a compreensão do exemplo, pois o único apenado seria o autor da coação. Nesse caso penso não existir “estupro virtual continuado” mas sim estupro praticado em autoria mediata por meio da grave ameaça.
A respeito de tema, veja que a Jurisprudência já admite a possibilidade de concurso de pessoas a distância: “Cabe reconhecer a solidariedade voluntária e consciente a envolver dois ou mais agentes para a prática de estupro, mesmo se na culminância do ato momentaneamente venham a se isolar em locais contíguos, tanto em proveito da concupiscência como ante a circunstância de subjugarem cada qual vítima diversa, visto manterem o domínio funcional dos fatos e emprestarem recíproca colaboração ao êxito do resultado a que afluíam suas vontades” (Ap. 169.148-0, São Paulo, 3ª.C., Rel. Gonçalves Nogueira, 31.10.1994, RT 713341)
Seria possível estupro por meio do sexo virtual?
ResponderExcluirProf. Milton Vasconcelos
Se considerada a modalidade da co-autoria praticada por meio de coação moral ,é possível sim. Dessa forma numa hipótese de co-autoria, onde o agente vale-se de coação moral para orientar seu comparsa à prática do ato ,penso que seria sim possível autoria mediata do crime de estupro por meio do sexo virtual, ainda que coator e coagido estivessem em locais distintos (como é o caso do sexo virtual).
Vera Lúcia Jesus de Oliveira Rodrigues- 5º Semestre de Direito
Diante da nova concepção da norma jurídica que tipifica o crime de estupro é mister afirmar que é possível de fato praticar o crime de estupro por meio virtual. Se não vejamos o alargamento do entendimento do doutrinador a fim de tipificar tal crime, com advento da lei 12015/09. Diante de uma nova previsão normativa, identificando-se as elementares da violência ou grave ameaça, as quais podem desdobrar-se na violência física (vis absoluta) ou moral (vis compulsiva), produzindo efeitos psicológicos na vítima sem que de fato haja conjunção carnal. Utilizando-se o agente de meios virtuais, para produzir os efeitos maléficos ferindo a dignidade da pessoa humana.
ResponderExcluirNão, visto que não há conjunção carnal e para ter a prática do ato libidinoso à suposta vítima tem que participar, e a distância não há contato físico, e o “ato libidinoso” nesse caso é consensual. Apenas pode-se considerar o estupro como co-autoria, valendo-se coação mora do agente.
ResponderExcluir