quarta-feira, 7 de agosto de 2013

A Hermenêutica Responde ! - 01

Seria possível estupro por meio do sexo virtual?


Prof. Milton Vasconcelos[1]

Com o advento da lei 12015/09, o legislador propicia uma verdadeira  tsunami no parte do Código Penal referente aos crimes sexuais, antes tratados sob a rubrica de “crimes contra os costumes”, doravante tratado por “crimes contra a dignidade sexual”.

Dentre as muitas alterações, cita-se o tipo penal do 213, estupro, que ganha nova previsão que traz reflexos diretos quanto a sua subsunção.

Nesse sentido, assim estabelece o citado texto normativo:

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos
§ 2º Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos


Percebe-se então, que além da palavra “alguém”, o legislador insere outra elementar, “praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Da primeira, observa-se a possibilidade  de não apenas mulheres, mas também homens passam a ser considerados sujeitos passivos do crimes de estupro, enquanto que da segunda se extrai a percepção de que não apenas a conjunção carnal (cópula vaginal), mas também os atos libidinosos (“fellatio ou irrumatio in ore, o cunnilingus, o pennilingus, o annilingus (sexo oral); o coito anal, inter femora; a masturbação; os toques e apalpadelas do pudendo e dos membros inferiores) (PRADO, 2009, p. 209).
Evitando o juridiquês, pode-se considerar a conjunção carnal a penetração do pênis na vagina, enquanto que os atos libidinosos teriam uma compreensão subsidiária, alcançando assim todos os demais atos de cunho sexual.

Considerando o verbo “constranger”, trazido no início do texto normativo, a doutrina identifica a compreensão do verbo próximo à ideia da coação, utilizado aqui  no sentido de forçar, obrigar, subjugar a vítima ao ato sexual. 

Avançando na compreensão da nova previsão normativa do tipo penal de estupro, identifica-se a manutenção das elementares da violência ou grave ameaça que, numa percepção jurídica desdobram-se na violência física (vis absoluta) ou moral ( vis compulsiva), de onde se observa que não apenas pratica a conduta típica o ato sexual decorrente de conjunção ou outros atos libidinosos por meio da utilização da força física, mas também a conduta decorrente da coação moral, inclusive praticada contra pessoa distinta da vítima.

Nesse sentido veja-se o exemplo trazido pela doutrina:

Assim, por exemplo, poderá ser levada a efeito diretamente contra a própria pessoa da vítima ou pode ser empregada, indiretamente, contra pessoas ou coisas que lhe são próximas, produzindo-lhe efeito psicológico no sentido de passar a temer o agente. Por isso, a ameaça deverá ser séria, causando na vítima um fundado temor do seu cumprimento.

[...]

Assim, imagine-se a hipótese daquele que, sabendo da infidelidade da vítima para com seu marido, a obriga a com ele também se relacionar sexualmente, sob pena de contar todo o fato ao outro cônjuge, que certamente dela se separará. (GRECO, 2011, p. 9)

A importância desta análise traz reflexos diretos para a compreensão de uma tentativa de resposta ao questionamento feito no título deste texto.

Ademais é também relevante destacar que a nova previsão do crime de estupro, seguindo as  diretrizes trazidas pela Lei 12015/09 reflete uma evidente preocupação do legislador  em adequar o texto normativo penal à Constituição Federal, tutelando-se doravante não mais apenas a “liberdade sexual”, mas sim a dignidade sexual, corolário natural da dignidade da pessoa humana, bem jurídico tutelado e previsto nos termos do art. 1, III, CF.

Pari passu é evidente que a sociedade muda e com ela a compreensão do fenômeno jurídico, que não pode se aprisionar numa exegese literal do texto de lei sob pena de se “engessar” a interpretação.

Identifica-se por fim que, graças a esta nova previsão normativa, não mais pairam dúvidas quanto a possibilidade da participação e co-autoria da mulher no crime de estupro, bem como a autoria mediata desta.

Há ainda a possibilidade de qualquer pessoa ser autora mediata do crime de estupro, situação que pode ocorrer, por exemplo, quando uma mulher convencer um homem, doente mental, a manter conjunção carnal, mediante violência, com outra mulher. (NUCCI, 2012, p. 945)

Considerando ainda o concurso de pessoas, a jurisprudência entende ainda não ser exigível que todos estejam no mesmo ambiente constrangendo a vítima ao mesmo tempo, bastando que se apresentem no mesmo cenário, dando apoio, um à prática delituosa do outro. Nesse sentido:

Cabe reconhecer a solidariedade voluntária e consciente a envolver dois ou mais agentes para a prática do estupro, mesmo se na culminância do ato momentaneamente venham a se isolar e locais contíguos, tanto em proveito da concupiscência, como ante a circunstância de subjugarem cada qual vítima diversa, visto manterem o domínio funcional dos fatos e emprestarem recíproca colaboração ao êxito do resultado a que afluíam suas vontades. (Ap.169.148-0, São Paulo, 3ª C., rel. Gonçalves Nogueira, 31.10.1994, RT 713/341).

O julgado acima transcrito data de 1994, portanto bem anterior portanto às novas disposições do crime de estupro, quando sua tipificação não incluía a elementar dos atos libidinosos. Assim como se deve interpretar o julgado citado a luz das novas previsões normativas trazidas pela lei 12015/09?

Ademais, considerando também as novas relações sociais trazidas principalmente pela informática e as elementares do tipo penal do estupro que, repita-se volta-se a uma tutela da “dignidade sexual do indivíduo” e tem sua subsunção a partir da prática de uma nova previsão normativa é se propõe  a seguinte provocação:

Seria possível estupro por meio do sexo virtual?


REFERÊNCIAS

GRECO, Rogério. Curso de direito penal, Vol. IV,  Rio de Janeiro: Impetus, 2007.

NUCCI. Guilherme de Souza. Código penal comentado. 11 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2012.

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais 2012.




[1] Advogado. Pós Graduado em Direito Público pela FABAC. Professor de Direito penal, Tributário e de Hermenêutica Jurídica da Faculdade APOIO UNIFASS.

15 comentários:


  1. Trago o entendimento que sim, com o advento da Lei 12015/09, por conta da coação moral, na consumação no caso do meio virtual, que fere também o Principio da Dignidade da Pessoa Humana, perante o ato libidinoso que absolve todos os meios genéricos não mencionado na codificação.
    Podemos citar um caso em que é feita a utilização da Webcam, a mulher coagida moralmente tenha que tirar a roupa frente ao aparelho para transmissão, para que o agente possa aflorar sua libido.
    Entendo que mesmo distante há a sua consumação.

    Jean Cerqueira Lima
    5º Semestre, Direito, Faculdade Apoio

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  2. Estupro
    Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
    Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.


    Sim, segundo a nova redação do CP seria possível.
    Todavia afirma Luiza Nagib Eluf:

    “[A lei] tinha que ter detalhado melhor o que são esses atos libidinosos. Quando fala em outro ato libidinoso pode ser qualquer ato. O direito penal tem que ser muito preciso e claro. Relação oral ou anal forçada é sim comparável ao estupro, mas outros atos já não são.”
    O que é ato lidibinoso ? Um beijo roubado seria um ato libidinoso ?
    Seria importante que a lei 12015/09 detalhasse o que é outro ato libidinoso.
    Damu Majid

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  3. Sim. Com base no artigo 213 CP, que considera além da conjunção carnal, também, os atos libidinosos como prática deste crime. Sendo portanto, ato libidinoso a ação de satisfazer a libido, à vítima pode ser constrangida virtualmente a satisfazer o "apetite sexual" do agente. Como o bem jurídico tutelado pelo art. 213 é a dignidade sexual, no caso de estupro virtual a vítima tem a sua dignidade sexual ofendida! (perdoem a redundância)

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  4. Prezados,

    Desde já agradeço os comentários e fico feliz que tenhamos dado "início" ao debate neste novo espaço criado pela Coordenação de Direito.

    Como dito em sala - e já até jurisprudência sobre isso - a possibilidade só seria possível na modalidade de coautoria, haja vista que à distância não seria possível a subsunção da conjunção carnal, tampouco dos atos libidinosos. Penso que na hipótese de co-autoria um agente poderia por meio de coação moral, orientar seu comparsa nos atos libidinosos praticados contra a vítima. Sendo que neste caso o agente que está presente com a vítima responderia por estupro e o outro agente tb responderia, na modalidade de co-autoria, afinal como já dito por um de vcs, o estupro de consuma não apenas mediante a violência física mas tb mediante a grave ameaça.

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  5. Não,pelo fato do constrangimento ser virtual a vítima poderia cessar o ato a qualquer momento,salvo se uma terceira pessoa participasse ai sim poderia haver um estupro, mas
    só na modalidade de co-autoria.
    portanto no meu entendimento não é possível estupro nesse caso, pelo fato de não ter nenhum contado entre autor e vítima.

    Renan Macedo 5° semestre

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  6. ENTENDO que somente seria possível na modalidade de coautoria, tendo em vista que a distância não seria possível à conjunção carnal e a pessoa que se encontra do outro lado “poderia a qualquer tempo” desconectar-se, quiçá evitar que tal conversa chegasse a tal ponto.

    O Artigo diz:

    Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:

    Partindo da premissa do que menciona o artigo, posso dizer que sim, mas vejo essa possibilidade por contar da pratica de ato libidinoso mediante grave ameaça.

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    1. É possível o estupro por meio virtual, ameaça, constrangimento dentre outros, porém torna-se impossível o estupro por meio do SEXO VIRTUAL onde não há o contato físico, uma vez que o sexo virtual é praticado à distância sem contato físico e a conjunção carnal bem como o ato libidinoso, pressupõe o contato físico.

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    2. Mas se considerada a modalidade da co-autoria praticada por meio de coação moral isso é irrelevante Darthagnan...

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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  8. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, o que diz parte do art.213 cp, o crime pode se configurar sim. Mais com a modalidade de co-autoria, no momento em que o agente utilizando –se dos meios virtuais ( Web cam, facebook, Orkut, etc ), consegue enviar comandos para uma outra pessoa presencial a cometer o tipo penal.

    Gustavo Santos, 5° Semestre de direito.

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  9. Caro professor Milton Vasconcellos e amigos de sala: Com base nos últimos ensinamentos dos art. citado em sala, e para poder ir mais alem em nossos conhecimentos. Se o agente penetra em uma residência furta algo nela, estupra mãe e filhas, e esse crime é orientado virtualmente por outra pessoa, estaremos diante de um estupro virtual continuado, concurso formal de crimes ou os dois? Podemos falar em concurso material?

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    1. Neste caso que vc cita vou me ater ao crime de estupro, que é o objeto do nosso curso, ok?

      Com o advento da Lei 12015/09 o legislador altera o tipo penal do art. 213, CP (estupro) permitindo assim que este possa ser praticado também pela prática de atos libidinosos e não apenas mediante a conjunção carnal. Considerando ainda as elementares de violência ou grave ameaça, a doutrina extrai dois tipos de violência possíveis: a física ou a moral.
      Dessa forma numa hipótese de co-autoria, onde o agente vale-se de coação moral para orientar seu comparsa à prática do ato penso que seria sim possível a defesa da autoria mediata do crime de estupro por meio da coação moral, ainda que coator e coagido estivesse em locais distintos (como é o caso do sexo virtual). Observe que, seu comparsa coagido teria como defesa a hipótese de coação moral irresistível, atraindo a incidência do art. 22, CP sendo punido apenas o autor da coação. Uso portanto a palavra "comparsa" para facilitar a compreensão do exemplo, pois o único apenado seria o autor da coação. Nesse caso penso não existir “estupro virtual continuado” mas sim estupro praticado em autoria mediata por meio da grave ameaça.
      A respeito de tema, veja que a Jurisprudência já admite a possibilidade de concurso de pessoas a distância: “Cabe reconhecer a solidariedade voluntária e consciente a envolver dois ou mais agentes para a prática de estupro, mesmo se na culminância do ato momentaneamente venham a se isolar em locais contíguos, tanto em proveito da concupiscência como ante a circunstância de subjugarem cada qual vítima diversa, visto manterem o domínio funcional dos fatos e emprestarem recíproca colaboração ao êxito do resultado a que afluíam suas vontades” (Ap. 169.148-0, São Paulo, 3ª.C., Rel. Gonçalves Nogueira, 31.10.1994, RT 713341)

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  10. Seria possível estupro por meio do sexo virtual?

    Prof. Milton Vasconcelos

    Se considerada a modalidade da co-autoria praticada por meio de coação moral ,é possível sim. Dessa forma numa hipótese de co-autoria, onde o agente vale-se de coação moral para orientar seu comparsa à prática do ato ,penso que seria sim possível autoria mediata do crime de estupro por meio do sexo virtual, ainda que coator e coagido estivessem em locais distintos (como é o caso do sexo virtual).

    Vera Lúcia Jesus de Oliveira Rodrigues- 5º Semestre de Direito


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  11. Diante da nova concepção da norma jurídica que tipifica o crime de estupro é mister afirmar que é possível de fato praticar o crime de estupro por meio virtual. Se não vejamos o alargamento do entendimento do doutrinador a fim de tipificar tal crime, com advento da lei 12015/09. Diante de uma nova previsão normativa, identificando-se as elementares da violência ou grave ameaça, as quais podem desdobrar-se na violência física (vis absoluta) ou moral (vis compulsiva), produzindo efeitos psicológicos na vítima sem que de fato haja conjunção carnal. Utilizando-se o agente de meios virtuais, para produzir os efeitos maléficos ferindo a dignidade da pessoa humana.

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  12. Não, visto que não há conjunção carnal e para ter a prática do ato libidinoso à suposta vítima tem que participar, e a distância não há contato físico, e o “ato libidinoso” nesse caso é consensual. Apenas pode-se considerar o estupro como co-autoria, valendo-se coação mora do agente.

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