Pode
condomínios que possuem elevadores pagar IPVA?
Prof.
Milton Vasconcelos[1]
A despeito do absurdo
da pergunta, a qual o próprio senso comum cuida de apressadamente responder
pela negativa e afastar a possibilidade de tributação, mas há um propósito
educativo interessante que pode ser alcançado a partir desta resposta: nem toda
interpretação literal é restritiva.
A chamada interpretação
literal é aquela feita tomando como base unicamente o texto da norma, que é a
partir da revelação do conteúdo semântico das palavras (BARROSO,2009, p. 131).
A seu turno, o fato gerador do IPVA é determinado por cada Lei estadual, mas o
Constituinte cuidou de delimitar a competência tributária dos Estados e
Distrito Federal ao outorgar a incidência deste imposto nos termos do art. 155,
III, CF:
[...]
A par do texto constitucional, indaga-se: o que são “veículos automotores”?
A palavra “veículo” é indicada
como “qualquer meio mecânico de transporte de pessoas ou coisas” (MICHAELLIS,
1998, p. 1778), o vocábulo “automotor”, a seu turno, expressa um adjetivo cujo
significado é relacionado a todo objeto “capaz de se deslocar por seus próprios meios, sem ser puxado ou
empurrado” (MICHAELLIS, 1998, p.
17).
Como a lei não trouxe uma definição do termo (o Código Nacional de
Trânsito, em seu artigo 77 limita-se a classificar os veículos quanto a
tração), tem-se que, se tomada numa interpretação literal, os aludidos
elevadores poderiam perfeitamente subsumir-se à regra da incidência do IPVA,
haja visa que, são um meio
mecânico de transporte de pessoas ou coisas e também possuem motor, logo numa
acepção puramente literal, o resultado da interpretação literal do texto
normativo do inciso III do art. 150 da Constituição Federal legitimaria o
absurdo, pela perfeita subsunção de que condomínios que fossem proprietários de
elevadores teriam de pagar IPVA.
Ademais, considerando
que a interpretação literal funda-se tão somente no significado semântico das
palavras, outro inconveniente dessa forma primária de interpretação é o próprio
atributo polissêmico das palavras, onde uma mesma palavra pode apresentar vários
significados possíveis alterando assim definitivamente o sentido do texto
quando a exegese funda-se tão somente em seu significado semântico.
Provocado a se posicionar acerca da possibilidade da incidência do IPVA para aviões, o Supremo Tribunal Federal limitou esta incidência a veículos automotores terrestres, baseando-se para tanto numa interpretação histórica, haja vista ser o IPVA o substituto da antiga Taxa Rodoviária Única. Nesse sentido, veja trecho do voto então Ministro Francisco Rezek, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário n. 379.572 RJ:
[...]Tentei saber, mediante pesquisa da realidade objetiva,
qual a trajetória histórica da norma, e o que neste momento sucede sob o pálio
da regra constitucional que atribui aos Estados competência para instituir
imposto sobre a propriedade de veículos automotores. Verifiquei que temos,
neste caso, um imposto que, na trajetória constitucional do Brasil, sucede à
Taxa Rodoviária Única, e não me pareceu, examinados os sucessivos textos
constitucionais recentes que, em qualquer momento, tenha sido intenção do
constituinte brasileiro autorizar aos Estados, sob o pálio do imposto sobre a
propriedade de veículos automotores, a cobrança sobre a propriedade de
aeronaves e embarcações de qualquer calado. Os conhecedores do modo nacional de
se produzirem textos constitucionais hão de perguntar-se sempre se o
constituinte, caso quisesse que o legatário da velha e conhecida Taxa
Rodoviária Única se tornasse um imposto capaz de alcançar aviões e navios, teria
se omitido de fazer referencia a embarcações e aeronaves (BRASIL: 2006)
Neste caso, observa-se
o expediente do manejo conjunto de dois tipos de interpretações para que se
alcance o verdadeiro sentido da norma, afastando-se assim a ingênua postura
hermenêutica de se interpretar tão somente pelo atributo literal, numa ilusão de
se encontrar a tão sonhada mens legis
que tanto fascinou ou positivistas.
Nesse sentido, oportuna
a lição da doutrina:
[...]
interpretar significa remontar do signo (signum)
à coisa significada, isto é, compreender o significado do signo. [...] assim o
positivismo põe um limite intransponível à atividade interpretativa: a
interpretação geralmente é textual e, em certas circunstâncias (quando ocorre
integrar a lei), pode ser extratextual; mas nunca será antitextual, isto é, nunca se colocará contra
a vontade que o legislador expressou na lei (BOBIO, 2006, p. 214)
A compreensão da norma
portanto não se limita a uma espécie de interpretação, exigindo portanto
trabalho complexo de combinação entre as distintas espécies de exegese do texto
normativo, como no caso do já citado Recurso
Extraordinário n. 379.572 RJ, onde o então Ministro Eros Grau, ampara-se
no manejo conjunto a interpretação histórica, teleológica e sistêmica para
alcançar a conclusão da na incidência do IPVA em aeronaves:
Vejamos se a interpretação histórica confirma essa conclusão [...]. Fica
claro no contexto histórico de transferência da competência tributária sobre a
propriedade de automóveis, caminhões e similares, excluída a relativa a
embarcações e aeronaves, por dois aspectos muito importantes:
a) Não compunha a base de arrecadação da Taxa Rodoviária Única a
incidência sobre embarcações e aeronaves.
b) A atribuição de competência tributária feita pela EC n. 27/85
assentou-se na competência administrativa para licenciar o uso dos veículos
que, no caso dos aviões e embarcações, é federal.
A interpretação teleológica presta-se frequentemente a distorções
enormes do sentido da norma [quando desvinculada de seu contexto histórico e
sistemático]. Sem estender o argumento, pode-se citar o voto do Ministro
Francisco Rezek quando da discussão dessa matéria no Supremo Tribunal Federal,
em que parece haver adequada interpretação finalística, bem associada à
histórica e à sistemática: ‘Verifiquei que temos neste caso um imposto que [...]
sucede a Taxa Rodoviária Única, e não pareceu, examinados os textos
constitucionais recentes, que, em qualquer momento, tenha sido intenção do
constituinte brasileiro autorizar aos Estados, sob o palio do imposto sobre a
propriedade dos veículos automotores, a cobrança sobre aeronaves e embarcações
de qualquer calado.’
Finalmente, numa interpretação sistemática, também se verifica a lógica
de que o IPVA seja restrito aos veículos automotores terrestres, excluindo-se
as embarcações e aeronaves, dada a vocação desses últimos em atender transporte
intermunicipal, interestadual e internacional. A competência administrativa
para a fiscalização destes meios de transporte é exercida pela União, de
maneira coerente com a natural independência ou desvinculação desses meios de
transporte relativamente a um município ou região, o que confirma ser mais
sistemático corresponda sua tributação à União. (BRASIL:2006)
Do ponto
de vista puramente gramatical, não resta dúvida de que elevadores são abrangidos
pelo conceito manifestado pela expressão “veículos automotores”, eis que
certamente são meios de transporte com tração própria, contudo há de se
observar que nem sempre o significado semântico indica a melhor interpretação
da norma, existindo até mesmo hipóteses (como essa dos elevadores) em que a
cega obediência a interpretação literal pode
conduzir a resultados opostos, sendo até extensivos, como neste absurdo
caso proposto da tributação do IPVA sobre elevadores.
Em verdade, a postura
literal, traduz, quando muito, o início da interpretação e nunca pode ser
considerado o único meio de todo o trabalho interpretativo da norma, haja vista
não ser suficiente a simples correspondência das palavras para que se alcance a
efetiva mens legis, consoante
determina o art. 5 da LINDB que vincula a interpretação da lei a um atributo
teleológico: os fins sociais.
REFERÊNCIAS
BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico. São Paulo: Ícone Editora, 2006.
BRASIL.
Constituição (1988). Constituição da
República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal.
Recurso Extraordinário n. 379.572 RJ. Relator Min. Marco Aurélio. Julgado
em 20 de setembro de 2006. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/pesquisarInteiroTeor.asp>.
Acesso em 29 de agosto de 2013.
[1] Prof. Milton Vasconcellos é
Advogado, Especialista em Direito Público (FABAC), Professor de Hermenêutica,
Direito Tributário e Direito Penal da Faculdade Apoio Unifass.
Eu, mesmo antes de ocupar uma cadeira de uma faculdade, sempre pensei que as leis deveriam ser como as palavras da Bíbli Sagrada, não sou evangélico nem católico e não estou postando esse comentário com objetivo religioso, o grande diferencial da Bíblia é que ela serviu para a humanidade ontem, serve hoje e continuará servindo amanhã graças a interpretação sempre atualizada do seu conteúdo, as leis deveriam ser pensadas para atravessar o tempo com interpretações par e passo com a modernidade, se tomarmos como base interpretativa os princípios gerais já estamos num bom caminho para "remendarmos" cda vez menos nossa constituição, haja visto o sentido abrangente da interpretação dos princípios.
ResponderExcluirIsso que vc falou já existe em nosso direito Darthagnan... e em Hermenêutica constitucional é atribuído à função dos conceitos jurídicos indeterminados, cujo teor bastante subjetivo, permite ao intérprete sempre exercer a atualização da norma por meio da interpretação, impedindo assim o engessamento do direito.
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