É
possível o crime assédio Sexual de professor para aluno?
Prof. Milton Vasconcelos¹
Criado
pela Lei n.º 10.224, de 15.05.01, o tipo
normativo do art.. 216-A, tipifica o crime de assédio sexual, nos seguintes
termos:
Art.
216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento
sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou
ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
Pena
- detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos
§ 2º A pena é aumentada em até um terço se a
vítima é menor de 18 (dezoito) anos. (BRASIL,
1984, p. 580)
A
partir do texto normativo é possível compreender o tipo penal como uma conduta
na qual o constrangimento adquire uma formatação especial. Afirma-se isso pois,
ao contrário do tipo penal do estupro – onde o legislador fez uso do mesmo
verbo “constranger” ligado às elementares da violência física ou grave ameaça,
no texto do art. 216-A ele não o fez, optando por inserir apenas uma
condicionante: “ prevalecendo-se o agente
da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício
de emprego, cargo ou função”.
Considerando
o verbo constranger e a condicionante citada, tem-se aqui uma espécie sui generis de coação moral, onde o
agente busca a vantagem sexual, fazendo uso de sua condição profissional
(hierarquia ou ascendência) perante a vitima.
Desdobra-se
portanto que trata-se de um crime próprio, haja vista que apenas o agente que
possua tais atributos de hierarquia ou ascendência perante a vítima pode ser
considerado sujeito ativo. A seu turno, o polo passivo pode ser integrado por
qualquer pessoa independente do sexo, haja vista a opção do legislador pela
expressão “alguém”, remetendo assim a uma conclusão de que quando valorado o
polo passivo trata-se de crime comum.
Como determinante para sua subsunção, o legislador
inseriu a já citada elementar da “condição de superior hierárquico ou
ascendência”, ponto de certo questionamentos entre a doutrina e fundamento maior do
questionamento que segue o título do presente texto.
Tais
discussões decorem do fato de que, para parte da doutrina compreende que tais
condições de superioridade hierárquica ou ascendência devem ser interpretadas
quando consideradas o restante do texto normativo, ou seja “inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”.
Em tais condições, a superioridade hierárquica ou ascendência
só fariam sentido quando da ocorrência de uma relação de Direito Público, uma
vez que não existe relação de hierarquia entre particulares, de igual forma os conceitos
de cargo ou função tem relação conceitual com o direito publico.
Nesse sentido indica a doutrina:
[...] o agente deve valer-se de sua condição de superior
hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
A expressão superior hierárquico indica uma relação de Direito Público, vale
dizer, de Direito Administrativo, não se incluindo nela as relações de direito privado. (GRECO, 2006, p. 578)
A seu turno, outra parte da doutrina, destaca que apenas a
elementar condição hierárquica tem relação com o direito público, motivo pelo
qual a expressão “ascendência” significaria superioridade, preponderância
voltada ao setor privado, refletindo assim mero poder de mando, típico de
qualquer relação laboral como
conhecemos.
Também importante neste ponto indicar o posicionamento
doutrinário:
Ascendência significa superioridade ou preponderância. No
caso presente refere-se ao maior poder de mando, que possui um indivíduo, na
relação de emprego, com relação a outro. Liga-se ao setor privado, podendo
tratar-se tanto do dono da empresa quanto do gerente ou outro chefe, também
empregado. (NUCCI, 2012, p. 962)
Deve-se destacar que o legislador usa o conectivo “ou” entre
as duas condicionantes, expressando assim não sinonímia mas alternatividade, ou
seja, basta que o constrangimento causado pelo agente à alguém valha-se de sua
condição de superior hierárquico “OU” de sua ascendência visando obter alguma
vantagem sexual da vítima.
Por fim resta valorar a expressão “vantagem ou favorecimento sexual”, como aspecto normativo
teleológico do injusto penal, ou seja, a finalidade que orienta toda a conduta
típica do agente. Nesse sentido, cumpre destacar desde já a dificuldade de
distinção entre “vantagem e favorecimento”, na medida em que, em essência ambos
significam ganho ou proveito, razão pelo qual sua diferenciação resta impossível com segurança (NUCCI, 2011,
p.961).
Em ambos casos parece importante apenas concluir que a
finalidade do constrangimento é a obtenção da vantagem ou favorecimento sexual,
aqui considerados como ato de beneficiar-se ou aproveitar-se em função de sua
condição hierárquica ou ascendência para conseguir algum benefício de ordem
sexual, motivo pelo qual para a consumação do crime é desnecessário que exista
sexo de fato, bastando a mera conduta de constranger alguém com estas
especificidades para obter quaisquer benefícios sexuais, tratando-se portanto
de crime formal (GRECO, 2006, p.580).
A luz das elementares
já citadas parece pacífica a conclusão de que a subsunção do crime de assédio
sexual condiciona-se a existência de condições específicas quanto ao sujeito
ativo, uma vez que trata-se de crime próprio. Dessa forma, nem todas as
relações adéquam-se normativamente ao tipo penal em questão, sendo portanto
essencial a existência de tal relação hierárquica ou ascendência. Surge então o questionamento citado no título
deste texto, pois não há dúvidas de que não
existe relação de hierarquia entre professores e alunos, mas o mesmo não
pode ser dito quanto à ascendência, na medida que existe sim, uma certa
“preponderância” do Professor ante seus alunos.
Ademais, como dito alhures, a palavra “ascendência” não fica
circunscrita à relação de direito público, representando assim toda e qualquer
superioridade e preponderância, legitimando assim o questionamento que
oportuniza o título deste texto: pode o professor praticar assédio sexual a um
de seus alunos, quando se vale de sua posição de ascendência para obter algum
tipo de benefício sexual?
Considerada em sua tipologia, a interpretação divide-se em
três tipos (método, alcance e origem), sendo a primeira divisão citada
subdividida em interpretação
literal (ou gramatical), lógico-teleológica e sistemática (ROQUE, 2011,
p. 340).
Tal distinção é importante, pois é justamente a partir de uma
de suas espécies que se alcançam a resposta negativa ao questionamento feito,
vez que a partir de uma interpretação sistemática não se compreende o texto
normativo apenas quanto ao sistema que faz parte (noção mais comum atribuída à
interpretação sistemática) mas também de cada palavra quando considerado o
texto normativo, sendo portanto cada palavra que o integra parte do todo
representado pelo texto normativo em si. Logo o termo “ascendência” tem seu
sentido complementado pela expressão “inerente ao exercício de
emprego, cargo ou função”, para que se alcance
a compreensão de que tal ascendência apenas existe em função de uma relação
laboral, o que não existe no caso entre professores e alunos.
Destaque-se por fim que, ainda que não existisse o
complemento normativo citado, a palavra “ascendência” não poderia ser
interpretada de forma extensiva (um dos subtipos em que se divide a
interpretação quanto ao alcance) , de forma a alcançar a relação entre
professores e alunos sob pena de se
incorrer na prática em verdadeira analogia in malam partem , violando assim o princípio da legalidade penal
insculpido no art. 1, CP de onde se extrai que “não há crime sem lei anterior que
defina”. Por tal razão é que prevalece a máxima hermenêutica de que
o texto normativo penal sempre é interpretado de forma restrita.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Decreto Lei 2848 de 7 de setembro de 1940.Código Penal. Disponível
em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm> Acesso em 12 ago.
2013.
GRECO,
Rogério. Curso de direito penal,
Vol. IV, Rio de Janeiro: Impetus, 2007
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado.
11 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2012
ROQUE, Nathaly Campitelli; GONZAGA, Alvaro de Azevedo. Vade Mecum Humanístico. 2ª ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais 2011.
__________________
¹ Prof. Milton Vasconcellos é Advogado, Especialista em Direito Público (FABAC), Professor de Hermenêutica, Direito Tributário e Direito Penal da Faculdade Apoio Unifass.
1 - É possível o crime assédio Sexual de professor para aluno?...
ResponderExcluirNão, não é possível em função da tipificação:
Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos
§ 2º A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos. (BRASIL, 1984, p. 580)
Acredito que o professor não é superior hierárquico nem tampouco tem ascendência inerente ao exercício da profissão. Ele é apenas uma pessoa de notável saber que transmite informação a qualquer pessoa que a queira receber de maneira espontânea. Portanto, não é possível esta tipificação e sim apenas uma simples importunação que deve ser resolvida dentro do âmbito escolar e não no Penal.
Damu Majid
17-8-2013
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirNão. Porque as elementares por sí Só já desconfigura a tipificação, uma vez que a relação que o professor tem, não é de ascendência ou hierárquica com seus alunos.
ResponderExcluirGustavo Santos
5 semestre direito
Não. De acordo com o Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
ResponderExcluirPena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos
§ 2º A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos. (BRASIL, 1984, p. 580)
Uma vez que as elementares por sí Só já desconfigura a tipificação, em que a relação com o professor não tem a ascendência ou hierárquica com os alunos.
Evandro Nunes.
5°semestre Direito.
Depende. Se interligássemos o ambiente sala de aula com o que diz o caput do art.216-A do CP, obviamente a resposta seria não, pois foge das características cargo ou função, além de, está exclusa a condição hierárquica. A possibilidade de um assédio sexual entre professor e aluno recai sobre a ascendência, existe uma relação de domínio, de superioridade, onde o professor pode aproveitar de tal posição para obter vantagens sexuais.
ResponderExcluirEm Santa Catarina, um professor da UNOESC (Universidade do Oeste de Santa Cataria), foi condenado por ter assediado sexualmente dois estudantes, que deveriam se submeter às investidas sexuais do professor para serem aprovados.http://profeanaclaudialucas.blogspot.com.br/2012/06/assedio-sexual-entre-professor-e-aluno.html
Lorena Neri.
5ºsemestre Direito.
Colega parabéns pela sua publicação, sempre tive esta visão sobre o crime citado.
ExcluirExcelente contribuição Lorena. Vou ler os julgados citados no link que vc deixou e levar para debate em nossa próxima aula.
ResponderExcluirA Luz do artigo 216, CP. Não, para a sua configuração há a necessidade do vinculo laboral, caso em destaque não configura,fundamentação também utilizada pelo Professor Rogério Greco.
ResponderExcluirNum entendimento como interprete do Direito, trago uma outra relação, pela existência da acedência por conta da função que o docente possui, existe sim a possibilidade do crime, pois o Direito busca nas suas interpretações, uma relação lato senso, para absolver as condutas atípicas da sociedade.
Jean Cerqueira Lima
5º Semestre, Direito,Unifass
Não. Tendo em vista que o professor não tem relação de ascendência ou hierarquia funcional para com o aluno. Como o crime previsto no art. 216-A não exige apenas o favorecimento sexual, mais também que o agente prevaleça-se de sua "condição de superior hierárquico ou ascendência.." (crime próprio), o professor não se enquadra como sujeito ativo deste, tornando a conduta atípica.
ResponderExcluirÀ luz do dispositivo penal inserido no caput do art. 216-A negaria que tal ação poderia ser praticada por professor. Todavia ao operador do Direito não cabe somente se valer da "Letra de Lei" para a construção dos seus entendimentos, mas também das Jurisprudências e Doutrinas. Visto isso, opino por afirmar que cabe o assédio sexual de professor ao aluno, baseando-me em "julgados" como no caso do professor universitário "M. M. F.", da Universidade Federal de Roraima (UFRR) que foi condenado a cumprir pena de um (01) ano e seis (06) meses de detenção por assediar sexualmente uma aluna. O desembargador federal Mário César Ribeiro, que analisou o caso, afirmou em seu voto que verificou que a materialidade e a autoria do crimeencontram-se efetivamente demonstradas pela sindicância realizada pela Universidade Federal de Roraima, pelas declarações das vítimas.
ResponderExcluirAssim, volto a salientar que no caso supracitado cabe ao professor a condenação pelo Crime de Assédio Sexual.
Não, visto que não há condição superior hierárquica ou ascendência do sujeito ativo (o professor) já que a vítima (a aluna) não é sua subordinada por relação de emprego, cargo ou função (Art 216-A CP).
ResponderExcluirPode-se nesse caso tipificar outros crimes como ameaça ou constrangimento ilegal.
Teresa Cristina Prado
Direito Penal IV - 5º Semestre
É possível o crime assédio Sexual de professor para aluno?
ResponderExcluirProf. Milton Vasconcelos
Depende. Se interligássemos o ambiente sala de aula com o que diz o caput do art.216-A do CP, obviamente a resposta seria não, pois foge das características cargo ou função, além de, está exclusa a condição hierárquica. A possibilidade de um assédio sexual entre professor e aluno recai sobre a ascendência, existe uma relação de domínio, de superioridade, onde o professor pode aproveitar de tal posição para obter vantagens sexuais. Além disso, Tendo em vista que o professor não tem relação de ascendência ou hierarquia funcional para com o aluno. Como podemos ver no art. 216-A do Código Penal, não exige apenas o favorecimento sexual, mas também que o agente prevaleça-se de sua "condição de superior hierárquico ou ascendência.." (crime próprio), o professor não se enquadra como sujeito ativo deste, tornando a conduta atípica.
Vera Lúcia Jesus de Oliveira Rodrigues- 5° Semestre de Direito.
Não, visto que o Ar. 216-A fala" prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função" , neste caso, não existe nenhum grau de superioridade entre ambos.
ResponderExcluirNão! visto que não há relação de hierarquia e ascendência profissional entre professor e aluno, conforme assevera o CP.
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