Pode
a polícia apreender o veículo por falta de pagamento do IPVA?
Quem nunca viu (ou viveu) a situação de deparar-se com uma blitz policial e ver vários veículos (motos e automóveis) apreendidos nestas operações policiais? Afastados os demais motivos ligados ao crime, tais apreensões são comumente feitas após a constatação do “emplacamento atrasado”, situação coloquialmente definida ao fato do veículo encontrar-se sem o licenciamento anual obrigatório.
Desde já cumpre informar que, a lei não permite que o tributo seja utilizado como sancão de ato ilícito, motivo pelo qual desde sua definição legal o art 3 do CTN, o legislador cuidou de positivar de forma muito clara a definição de tributo afastando tal possibilidade:
Art. 3º Tributo é toda
prestação pecuniária compulsória,
em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e
cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. (grifei).
Por tal definição, mostra-se clara a
disposição em que o tributo não tem como fato gerador o ilícito (apesar deste
poder ser tributado em sua consequência como decorre do princípio do pecúnia non olet). Sendo assim, numa
compreensão técnica e jurídica do fato, poderia a polícia apreender o veículo
por falta de pagamento do IPVA?
De forma objetiva a resposta é não. Não
pode, nem o faz. Afinal como já dito alhures o tributo não pode ser considerado
uma sanção de ato ilícito, logo toda conduta de utilização do tributo como
forma de se forçar o pagamento de determinada obrigação tributária é conduta
violadora da própria definição do tributo sendo portanto ilegal.
Destaque-se ainda que, além de violar a
própria definição de tributo, o procedimento de cobrança de dívidas fiscais decorre
da lei 6830/80 (Lei de Execução Fiscal), que já em seu art. 1 determina que tal
mister:
Art. 1 - A execução judicial para cobrança da
Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e
respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo CPC”
Dessa forma, não pode o Fisco, sob
alegação de que não houve o recolhimento do IPVA (Imposto sobre a Propriedade
de Veículos Automotores), apreender o bem, frustrando assim todo o procedimento
legal trazido pela lei 6830/80.
Nesse sentido é que se manifesta
largamente a jurisprudência brasileira, sendo oportuna a citação do
entendimento do Tribunal de Minas Gerais:
APREENSÃO DE MECADORIAS, ILEGALIDADE, DÍVIDA
TRIBUTÁRIA Não pode o Fisco, que dispõe
de procedimento legal adequado para a execução de seus créditos tributários,
apreender mercadorias como meio coercitivo de exigência de pagamento.( Apelação
Cível nº 000.212.922-9/00, 4ª Câmara Cível do TJMG, Matias Barbosa, Rel. Des.
Bady Curi. j. 18.04.2002)
Neste mesmo
sentido decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, tolerando a
apreensão do bem tão somente para conferência e autuação:
DÍVIDA TRIBUTÁRIA, APREENSÃO DE MERCADORIA E
VEÍCULO, ILEGALIDADE, SÚMULA DO STF A apreensão de mercadoria e veículo é
devida, tão-só, para proceder a conferência e autuação. Feito isso, há que se
liberar a mercadoria e veículo, pois o fisco dispõe de meios próprios e legais
para cobrança do tributo e eventual multa. Ilegalidade da conduta do fisco.
Precedentes da Corte. Incidência da Súmula 323 do STF.( Apelação Cível nº
70004325114, 1ª Câmara Cível do TJRS, Iraí, Rel. Des. Henrique Osvaldo Poeta
Roenick. J. 26.06.2002)
Por tais motivos é que o Supremo Tribunal Federal
posicionou-se sobre o tema com a edição da Súmula 323, cujo teor determina que:
“ É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio
coercitivo para pagamento de tributos”
Ante tal constatação como se
explicar a rotineira apreensão de veículos feitas em blitz por parte da polícia?
A resposta se dá por
fundamentos distintos, ou seja, a apreensão do veículo neste caso não decorre
da falta de pagamento IPVA, mas sim por força da ocorrência da infração
administrativa prevista no art. 230 do CTB (Código de Trânsito Brasileiro) que
prevê como infração gravíssima com penalidade de multa e apreensão do veículo a
hipótese em que o motorista conduz o veículo sem que este esteja devidamente
registrado e licenciado:
Art.
230. Conduzir o veículo:
[...]
V - que não esteja registrado e devidamente licenciado
Infração - gravíssima;
Infração - gravíssima;
Penalidade
- multa e apreensão do veículo;
Medida
administrativa - remoção do veículo;
O problema de tal explicação
é que a própria lei é quem relaciona o licenciamento à quitação de débitos
relativos a tributos, encargos e multas de trânsito, nos termos do parágrafo
segundo do art. 131, do CTB (Código de
Trânsito Brasileiro), fazendo com que a fundamentação citada seja esvaziada,
pois só se pode licenciar se houver sido pago o IPVA.
Art. 131. O Certificado de
Licenciamento Anual será expedido ao veículo licenciado, vinculado ao
Certificado de Registro, no modelo e especificações estabelecidos pelo CONTRAN.
[...]
§
2º O veículo somente
será considerado licenciado estando quitados os débitos relativos a tributos, encargos e multas de trânsito e
ambientais, vinculados ao veículo, independentemente da responsabilidade pelas
infrações cometidas. (negritei)
Diante de tal constatação
observa-se uma gritante antinomia entre os textos normativos do parágrafo
segundo do art. 131 do CTB e o art. 3, CTN, a ser resolvido pelas regras
costumeiras de solução de antinomias da Hermenêutica.
Neste caso, tem aplicação a
regra da cronologia prevista no artigo segundo, parágrafo primeiro da lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro, cujo teor assim dispõe:
Art. 2º -
Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a
modifique ou revogue.
§ 1º - A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o
declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a
matéria de que tratava a lei anterior.
Dessa forma, considerando que o texto
normativo do CTB data de 1997, enquanto o texto normativo do CTN data de 1966,
há de se prevalecer a regra que condiciona o licenciamento feito após a
quitação dos débitos tributários relativos ao automóvel (normalmente o IPVA).
Como tal dispositivo posterior não trata inteiramente a matéria de que trata o
texto anterior, ocorre em verdade derrogação (e não revogação), neste caso
concreto justamente da parte em que proíbe a utilização de tributo como sanção
de ato ilícito.
Por fim, registre-se que a Fazenda
Pública pode apreender mercadorias. O que se disse aqui diz respeito à hipótese
da apreensão do veículo por falta de pagamento do IPVA, exemplo aqui tomado
como referência para ilustrar o limites a este poder de polícia-administrativa
dos Entes Federados que não podem exercer tal poder como forma de compelir o
contribuinte ao pagamento do tributo.
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¹ Prof. Milton Vasconcellos é Advogado, Especialista em Direito Público (FABAC), Professor de Hermenêutica, Direito Tributário e Direito Penal da Faculdade Apoio Unifass.
Consoante ao que o Próprio Facilitador explanou, considero uma irregularidade da polícia administrativa em reter o veículo em blitz.Longe do que foge a realidade, há de ser imprescindível a cobrança da execução formal da lei aos políciais que realizam a blitz.Verdade seja dita,qual o policial que atua em blitz têm o conhecimento desses dispositivos legais?!
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