Prof.
Milton Vasconcelos[1]
O Imposto sobre Propriedade Territorial
Urbana tem sua previsão nos termos do art. 32, CTN, o qual assim define seu
fato gerador (BRASIL, 1966, p. 354):
Art. 32 - O imposto, de competência dos
Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato
gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei
civil, localizado na zona urbana do Município.
§
1º - Para os efeitos
deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal,
observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo
menos dois dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público:
I - meio-fio ou calçamento, com canalização de águas
pluviais;
II - abastecimento de água;
III - sistema de esgotos sanitários;
IV - rede de iluminação pública, com ou sem posteamento
para distribuição domiciliar;
V - escola primária ou
posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel
considerado.
A luz do texto
normativo citado, percebe-se que o tributo além de incidir sobre a propriedade
predial e territorial urbana, tem sua incidência restrita a tais bens
localizados na zona urbana do Município. Tal zona é definida nos termos do
parágrafo primeiro citado, quando o legislador estabelece como critério que a
zona possua pelo menos dois dos melhoramentos citados entre os cinco incisos.
Pela simples leitura do texto de lei
citado a resposta não é possível de forma tão clara, haja vista que, sendo o
trailer um bem móvel, ele poderá ir de um lugar a outro onde estejam
satisfeitas tais condições que a ei exigem para que a zona seja urbana. Ademais, numa valoração espontânea, o trailer
funciona como residência de muitas pessoas, poderia assim ser comparado a um
bem imóvel para fins de tributação e atrair a incidência do IPTU?
Desde já afasta-se tal possibilidade
haja vista a absoluta vedação a interpretação analógica em matéria tributária
quando tal analogia resulte em criação ou majoração do tributo nos termos do
art. 108, § 1, CTN (BRASIL,1966, p. 355):
Art. 108. Na ausência de disposição
expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária
utilizará sucessivamente, na ordem indicada:
I - a analogia;
[...]
§ 1º O emprego da analogia não
poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei.
Afasta-se portanto desde já quaisquer
tentativas hermenêuticas do adágio romano de que onde
vigora a mesma razão, deve-se aplicar a mesma disposição, a mesma solução (ubi
eadem ratio, ibi eadem dispositio), haja vista que, consoante cediço a
interpretação extensiva-analógica encontra limites nos ramos do direito pautado
na legalidade estrita, como é o caso do direito tributário. Nestes ramos
do direito, prevalece a máxima da incidência da lei com função claramente
restritiva (e não literal como defendem alguns), logo, nem toda interpretação
literal é restritiva, destaque-se.
Uma vez impossível a interpretação
analógica, volta-se então à valoração do fato gerador do tributo, em especial
ao vocábulo “bem imóvel” citado no caput do artigo que, junto com a
vedação a uma interpretação analógica
(extensiva) de trailer que não pode ser considerado bem imóvel para fins de subsunção do fato
gerador do IPTU, pacifica o entendimento pelo descabimento do tributo, por
absoluta falta de previsão em lei.
A seu turno, o IPVA, Imposto sobre
propriedade de Veículos Automotores, não tem previsão normativa expressa numa
lei complementar, motivo pelo qual suas disposições gerais ficam a cargo de
cada legislação estadual, que dentre outras define seu fato gerador. Por todos contudo, há o comando
constitucional do art. 155, III, CF que ao fixar a competência tributária dos
Estado para criar citado imposto delimita sua hipótese de incidência (BRASIL,
1988, p. 150):
[...]
Interessante aqui é a aplicação do já
afirmado antes: de que “nem toda interpretação literal é restritiva”, haja
vista que, se tomada em sua acepção literal, nada poderia afastar a incidência
do IPVA de lanchas e Jet ski, que
certamente são veículos e possuem motor. Tal incidência contudo já foi afastada
pelo STF por ocasião do julgamento do RE 255.111-2/SP, no qual destaca-se trecho
do voto então Ministro Sepúlveda Pertence:
Sr.
Presidente, o caso concreto - embora proveniente do Estado de São Paulo e
relativo à incidência ou não do IPVA sobre aeronaves é perfeitamente
assimilável ao do RE 134509 - do Estado do Amazonas e atinente a embarcações -
no qual, dissentindo do voto de V. Exa. - hoje mesmo, o Tribunal acompanhou, o
voto vista que proferi para assentar, com base na Constituição, que o campo de
incidência do mesmo imposto estadual é circunscrito à propriedade de veículos
automotores de transporte terrestre.
Assim, deve-se compreender a vinculação
à lei como uma função restritiva da interpretação e não uma função literal.
Por outro lado, considerando a regra de
vedação á interpretação extensiva em matéria tributária quando esta implicar em
exigência de tributo, já citada aqui por ocasião da abordagem sobre o IPTU,
resta o afastamento do trailer a uma condição de automóvel por analogia.
Ademais pela simples valoração do texto
normativo observa-se que o trailer não possui motor, não sendo portanto possível
sua consideração como veículo automotor.
Porém, com de conhecimento maciço, tais
equipamentos pagam IPVA, qual o fundamento então?
A compreensão da indagação começa a ser
percebida a partir do art. 120, CTB que prevê a obrigação de registro destes
equipamentos perante o DETRAN (BRASIL, 1997,
432):
Art. 120. Todo veículo automotor, elétrico, articulado, reboque ou semi-reboque, deve ser
registrado perante o órgão executivo de trânsito do Estado ou do Distrito
Federal, no Município de domicílio ou residência de seu proprietário, na forma
da lei.
Realizado tal registro, estabelece a lei
em seu art. 121, CTB que será expedido o
CRV (Certificado de Registro de Veículo), surgindo assim o problema quando valorada esta situação ao
teor do art. 124, CTB, quando o legislador condiciona a expedição do novo CRV à
realização do licenciamento anual do veículo (BRASIL,
1997, 432):
Art. 124. Para a expedição do novo
Certificado de Registro de Veículo serão exigidos os seguintes documentos:
[...]
II - Certificado de Licenciamento Anual;
Ora, se para licenciar o veículo a lei
estabelece a obrigação de quitação das obrigações tributárias (art. 131, § 2,
CTB), como interpretar a situação do trailer que, como já visto necessita do
CRV (BRASIL, 1997, 433)?
Art.
131. O Certificado de Licenciamento Anual será expedido ao veículo
licenciado, vinculado ao Certificado de Registro, no modelo e especificações
estabelecidos pelo CONTRAN.
[...]
§ 2º O veículo somente será considerado
licenciado estando quitados os débitos
relativos a tributos, encargos e multas de trânsito e ambientais,
vinculados ao veículo, independentemente da responsabilidade pelas infrações
cometidas. (grifos nossos)
Em síntese é possível organizar as
ideias assim:
1 – a quitação de tributos (dentre estes o IPVA está vinculado ao licenciamento do veículo automotor (art. 131, § 2, CTB);
1 – a quitação de tributos (dentre estes o IPVA está vinculado ao licenciamento do veículo automotor (art. 131, § 2, CTB);
2 – o trailer não tem tração própria (não tem motor) logo não pode ser
considerado veículo automotor, mas sim um reboque (ou semi-reboque);
3 - Todo veículo automotor,
elétrico, articulado, reboque ou semi-reboque devem ser registrados no DETRAN para
obtenção do CRV (art. 120, CTB);
4 – Realizado tal registro, estabelece a lei
em seu art. 121 que será expedido o CRV (Certificado de Registro de Veículo);
5 – O art. 124, CTB, exige o
licenciamento anual do veículo para expedição do novo CRV.
Dessa forma, à luz dessa confusão
normativa trazida pelo legislador, indaga-se: quem mora em trailer, deve pagar
IPVA?
A resposta deve ser indicada por partes:
NÃO INCIDE o IPVA pelo fato de subsunção ao fato gerador, mas a incidência ocorre por via oblíqua
pelas exigências normativas do Código de Trânsito. Pois sendo o trailer um tipo
de reboque a lei determina a sua obrigação de realização registro com fins de obtenção
do CRV (Certificado de Registro de Veículo), contudo a expedição deste
documento condiciona-se ao licenciamento do veículo e este procedimento a seu
turno condiciona-se à quitação das dívidas tributárias.
Assim, objetivamente, trailer não paga
IPVA, pois não há subsunção ao fato gerador. Defende-se portanto, que tal
exigência por via oblíqua deve ser tomada por ilegal e afastada com base no
critério da especialidade, onde norma especial derroga norma geral (lex specialis derogat legi generali), haja vista que
não se pode admitir como lícita uma expropriação do patrimônio do
contribuinte por vias indiretas.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Constituição
(1988). Constituição da República
Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.
______,
Lei 5172 de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui
normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Lex: Coletânea de Legislação e Jurisprudência,
São Paulo, v. 48, jan./mar.,1. trim. 1985.
Legislação Federal e marginalia
______
Lei 9503 de 27 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito Brasileiro. Lex:
Coletânea de Legislação e Jurisprudência, São Paulo, v. 48, jan./mar.,1. trim. 1985. Legislação Federal e
marginalia.
[1] Prof. Milton
Vasconcellos é Advogado, Especialista em Direito Público (FABAC), Professor de
Hermenêutica, Direito Tributário e Direito Penal da Faculdade Apoio Unifass.
Bem, como o trailler, mesmo que estacionado indeterminadamente, é um veículo automotivo, paga IPVA, caso o proprietário opte por fixar o trailer como residência em terreno próprio, o proprietário deverá pagar o IPTU, não pelo trailer mas sim pelo terreno, uma vez que não haja estrutura imóvel construida sobre o terreno o IPTU deve ser calculado sobre o valor do terreno sem construção. Se o trailer não for mais utilizado para locomoção, pode o proprietário deixar de pagar o IPTU, afinal ter um veículo automotor com IPTU atrasado não é infração, desde que esse veículo não circule.
ResponderExcluirO entendimento pacificado e aplicado pelo Detran Bahia, é que será configurado um veiculo auto motor, tributando assim com o IPVA, mesmo tratando de um meio residencial.
ResponderExcluirJean Cerqueira Lima
5º Semestre, Apoio.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirQuerido Prof., a respeito da indagação do texto, reporto - me da seguinte maneira, à luz dos dispositivos legais não há o que se falar em tributação a não ser pelo fato do CRV, onde colocado como reboque ou semi reboque, condiciona-o a algum veículo automotor que necessariamente estará vinculado ao IPVA. Em se tratando do IPTU, poderá o trailer estar em via pública ou pátios públicos destinados à essa função. O que poderia ser cobrado uma taxa mensal de utilização do espaço público, diferentemente de uma tributação prevista em legislações específicas.
ResponderExcluir