terça-feira, 18 de dezembro de 2018

A EVOLUÇÃO DO DIREITO CIVIL BRASILEIRO - PARTE 2

        1. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL
Prof. Rubem Valente[1]

A Constituição Federal de 1988, abandonando a neutralidade e indiferença das cartas anteriores, implantou uma nova tábua axiológica, uma nova tábua de valores. Em razão dessa realidade, buscou estabelecer critérios para que não ocorressem abusos sendo que os pilares antigos foram mantidos, porém todos sofreram modificações, devido os novos padrões sociais, econômicos e jurídicos.

Depois do movimento de constitucionalização do direito civil, influência direta dos vetores constitucionais na compreensão destes institutos, foi reconhecida a absoluta incompatibilidade do Código de 1916 e dos seus ideais com a norma constitucional. Havia uma absoluta incompatibilidade. Por essa razão, houve a necessidade de editar-se um novo código e esse novo código veio em 2002 (TEPEDINO, 2003).

Dessa maneira, o Código Civil de 2002 deu nova roupagem ao direito privado, atualizando-o e elevando-o ao nível das legislações mais desenvolvidas e avançadas acerca do tema. A parir dessa nova perspectiva, que traduz uma realidade pós-positivista, o direito civil, portanto, enriqueceu-se principalmente com três novos princípios: Função Social, Boa-fé e Equilíbrio Econômico ou das prestações (LOTUFO, 2002). 

Na verdade, os três novos princípios forjados sob o impacto das atuais idéias de sociedade e solidarismo que a ordem constitucional valorizou, modificou estruturalmente as relações entre os particulares. Essa nova conjuntura, por sua vez, representa a influência direta de valores assumidos por um novo movimento constitucional ocorrido após a segunda guerra mundial. As constituições democráticas, desde então, são, basicamente, amparadas no tripé: Dignidade da Pessoa Humana; Igualdade Substancial e Solidarismo Social. A tábua de valores da Constituição, portanto, configura-se bem diferente daqueles paradigmas do Código oitocentista. Esses vetores constitucionais, inegavelmente, reverberaram no Código Civil.

Assim, hoje, o Direito Civil deve ser compreendido à luz da Constituição Federal, sendo certo que interpretar o Direito Civil conforme o que vem da CF-88 é entende-lo segundo novas diretrizes. E quais são essas diretrizes? Socialidade, Eticidade e Operabilidade. Assim afirmou o pai do CC/02, Miguel Reale, quando apresentara exposição de motivos da referida lei.

Assim, percebe-se nitidamente o direito deslocando o foco do individual para o coletivo. Não é somente o indivíduo que importa, mas sim uma coletividade e quando não, a própria sociedade. De mais a mais, é um grande passo para o Direito que desde sua origem fundamenta-se no sujeito singularizado e que, agora, assume valores que refletem um processo histórico de consagração e construção dos direito humanos[2].

2. O DIREITO CIVIL ESTÁ EM CRISE?

            
De tudo quanto exposto, será que se pode afirmar que o direito civil está em crise? Se tomarmos a expressão “crise” no sentido utilizado pelos antropólogos, pelos sociólogos, no sentido em que crise é mudança de referenciais, a resposta é sim, pois o Direito está mudando referenciais desde a CF/88.

O Direito Civil, portanto, não está se destruindo, ele apenas está lutando com os seus referenciais e sendo reconstruindo e contemplando, mais e mais, além de valores patrimoniais, valores existenciais na busca do bem comum.

O bem comum é um ideal que remonta à Grécia Antiga e que foi muito bem tratado por Aristóteles. Buscava-se com a noção de bem comum trazer o bem para a sociedade, que não é um bem individual, mas de um todo. O Direito sempre teve como um dos seus principais pontos, propiciar o bem comum da sociedade, ao mesmo tempo, que assegurava os interesses individuais. Essa equação entre o individual e o coletivo sempre foi difícil, uma vez que um não podia suplantar o outro a ponto de um deles desaparecer. Eis o desafio do operador do direito no milênio que se inicia: transformar patrimonialismo e individualismo em solidariedade e igualdade substancial efetiva.

REFERÊNCIAS

LOTUFO, Renan. Da oportunidade da codificação civil. Revista do advogado, Sao Paulo: v.22, n.68, dez. 2002.
TEPEDINO, Gustavo. A Parte Geral do Novo Código Civil: estudos na perspectiva civil-constitucional. Renovar, 2003.



[1] Rubem Valente é Advogado com atuação em soluções alternativas de conflitos, Pós-graduado em Direito Processual Civil. Aluno do Doutorado em Direito Civil pela Universidad de Buenos Aires (UBA – Argentina), Professor de Sociologia e Sociologia Jurídica, bem como de Direito Civil da Faculdade APOIO UNIFASS, além de ser professor de vários cursos preparatórios para concursos, tais como LFG, UNIEQUIPE e do Complexo Renato Saraiva.
[2] É importante frisar que esses três princípios não devem ser aplicados de forma separada, ao revés, somente podem ser vistos no ordenamento jurídico em conjunto uma vez que são interdependentes e, juntos, realizam o vetor dignidade humana na esfera civil. Renan Lotufo ao ressaltar a importância dos valores no Código Civil de 2002 comenta que o Código, pelas suas próprias raízes metodológicas e filosóficas (eticidade – socialidade- praticidade), não tem a aspiração de ser um código fechado. É um código que está permeado por valores que vão contra o puro individualismo e ao individualismo exacerbado. É um código que está imbuído do que o Professor Reale chamou de princípios da socialidade, ou seja, todos os valores do código encontram um balanço entre o valor do indivíduo e o valor da sociedade. Não exacerba o social tanto quanto procura não exacerbar o individualismo. (2002, p. 27).

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