Prof.
Rubem Valente[1]
A Constituição Federal
de 1988, abandonando a neutralidade e indiferença das cartas anteriores,
implantou uma nova tábua axiológica, uma nova tábua de valores. Em razão dessa
realidade, buscou estabelecer critérios para que não ocorressem abusos sendo
que os pilares antigos foram mantidos, porém todos sofreram modificações,
devido os novos padrões sociais, econômicos e jurídicos.
Depois do movimento de
constitucionalização do direito civil, influência direta dos vetores
constitucionais na compreensão destes institutos, foi reconhecida a absoluta
incompatibilidade do Código de 1916 e dos seus ideais com a norma
constitucional. Havia uma absoluta incompatibilidade. Por essa razão, houve a
necessidade de editar-se um novo código e esse novo código veio em 2002 (TEPEDINO,
2003).
Dessa maneira, o Código
Civil de 2002 deu nova roupagem ao direito privado, atualizando-o e elevando-o
ao nível das legislações mais desenvolvidas e avançadas acerca do tema. A parir
dessa nova perspectiva, que traduz uma realidade pós-positivista, o direito
civil, portanto, enriqueceu-se principalmente com três novos princípios: Função
Social, Boa-fé e Equilíbrio Econômico ou das prestações (LOTUFO, 2002).
Na verdade, os três
novos princípios forjados sob o impacto das atuais idéias de sociedade e
solidarismo que a ordem constitucional valorizou, modificou estruturalmente as
relações entre os particulares. Essa nova conjuntura, por sua vez, representa a
influência direta de valores assumidos por um novo movimento constitucional
ocorrido após a segunda guerra mundial. As constituições democráticas, desde
então, são, basicamente, amparadas no tripé: Dignidade da Pessoa Humana;
Igualdade Substancial e Solidarismo Social. A tábua de valores da Constituição,
portanto, configura-se bem diferente daqueles paradigmas do Código oitocentista.
Esses vetores constitucionais, inegavelmente, reverberaram no Código Civil.
Assim, hoje, o Direito
Civil deve ser compreendido à luz da Constituição Federal, sendo certo que interpretar
o Direito Civil conforme o que vem da CF-88 é entende-lo segundo novas
diretrizes. E quais são essas diretrizes? Socialidade, Eticidade e
Operabilidade. Assim afirmou o pai do CC/02, Miguel Reale, quando apresentara
exposição de motivos da referida lei.
Assim, percebe-se
nitidamente o direito deslocando o foco do individual para o coletivo. Não é somente
o indivíduo que importa, mas sim uma coletividade e quando não, a própria
sociedade. De mais a mais, é um grande passo para o Direito que desde sua
origem fundamenta-se no sujeito singularizado e que, agora, assume valores que
refletem um processo histórico de consagração e construção dos direito humanos[2].
2. O DIREITO CIVIL ESTÁ EM CRISE?
O Direito Civil,
portanto, não está se destruindo, ele apenas está lutando com os seus
referenciais e sendo reconstruindo e contemplando, mais e mais, além de valores
patrimoniais, valores existenciais na busca do bem comum.
O bem comum é um ideal
que remonta à Grécia Antiga e que foi muito bem tratado por Aristóteles.
Buscava-se com a noção de bem comum trazer o bem para a sociedade, que não é um
bem individual, mas de um todo. O Direito sempre teve como um dos seus
principais pontos, propiciar o bem comum da sociedade, ao mesmo tempo, que
assegurava os interesses individuais. Essa equação entre o individual e o
coletivo sempre foi difícil, uma vez que um não podia suplantar o outro a ponto
de um deles desaparecer. Eis o desafio do operador do direito no milênio que se
inicia: transformar patrimonialismo e individualismo em solidariedade e
igualdade substancial efetiva.
REFERÊNCIAS
LOTUFO,
Renan. Da oportunidade da codificação civil. Revista do advogado, Sao Paulo:
v.22, n.68, dez. 2002.
TEPEDINO,
Gustavo. A Parte Geral do Novo Código Civil: estudos na perspectiva
civil-constitucional. Renovar, 2003.
[1] Rubem Valente é
Advogado com atuação em soluções alternativas de conflitos, Pós-graduado em
Direito Processual Civil. Aluno do Doutorado em Direito Civil pela Universidad
de Buenos Aires (UBA – Argentina), Professor de Sociologia e Sociologia
Jurídica, bem como de Direito Civil da Faculdade APOIO UNIFASS, além de ser
professor de vários cursos preparatórios para concursos, tais como LFG,
UNIEQUIPE e do Complexo Renato Saraiva.
[2] É importante frisar que esses
três princípios não devem ser aplicados de forma separada, ao revés, somente
podem ser vistos no ordenamento jurídico em conjunto uma vez que são
interdependentes e, juntos, realizam o vetor dignidade humana na esfera civil.
Renan Lotufo ao ressaltar a importância dos valores no Código Civil de 2002
comenta que o Código, pelas suas próprias raízes metodológicas e filosóficas
(eticidade – socialidade- praticidade), não tem a aspiração de ser um código
fechado. É um código que está permeado por valores que vão contra o puro
individualismo e ao individualismo exacerbado. É um código que está imbuído do
que o Professor Reale chamou de princípios da socialidade, ou seja, todos os
valores do código encontram um balanço entre o valor do indivíduo e o valor da
sociedade. Não exacerba o social tanto quanto procura não exacerbar o
individualismo. (2002, p. 27).
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