Por: Dulce Anne Freitas Feitosa[1]
No Brasil, com a
universalização e democratização do acesso à justiça, a partir da CF/1988 houve
uma explosão de litigiosidade antes reprimida pelo regime ditatorial, ensejando
a judicialização em massa dos conflitos[2].
Então, para se assegurar a
isonomia, confiança e segurança jurídica, surge no Brasil o sistema de
precedentes que ganhou relevo e impulso no cenário jurídico nacional com a EC
no 3/1993[3], quando instituída a Ação
Declaratória de Constitucionalidade – ADC, e com ela o efeito vinculante das decisões
proferidas pelo STF, efeito esse estendido às decisões do STF nas Ações Diretas
de Inconstitucionalidade - ADIn, através do art. 28, parágrafo único, da Lei
9.868/1999[4].
O CPC/2015 introduziu o
conceito de precedentes no direito brasileiro. Precedente é um pronunciamento
judicial proferido em processo anterior que é empregado como base da formação
de outra decisão judicial, prolatada em processo posterior.
O estudo sobre o sistema de
precedentes judiciais no CPC/2015 deve ser precedido das noções de
jurisprudência, súmula e precedente, pois
o sistema brasileiro de precedentes é construído para que haja
uniformidade de decisões em causas idênticas[5].
Entretanto, a instabilidade
da jurisprudência no Brasil existe por notória razão histórica: a certeza e a
previsibilidade do ordenamento jurídico pátrio decorrem da lei[6] (sistema civil law).
Jurisprudência é o conjunto
de decisões concordantes proferidas por
órgãos judiciários (tribunais), em relação à mesma questão, de modo reiterado e
uniforme, com força persuasiva no sistema jurídico[7].
A jurisprudência pressupõe
a multiplicidade de decisões e existência de vários casos concretos. São
exemplos que podem ou não ser seguidos; é o produto do debate acerca da
matéria, podendo conter teses opostas ou convergentes entre as unidades que
compõem o conjunto[8].
A jurisprudência
classifica-se, em sentido amplo, como um conjunto de decisões independentemente
do sentido que tais decisões dão a uma determinada matéria; e, em sentido
estrito, entendida como um conjunto de decisões uniformes acerca da mesma
matéria.
A jurisprudência se
caracteriza em atividade de interpretação da lei desempenhada pelas cortes para
solução de casos, cuja múltipla reiteração gera a uniformidade capaz de servir
de parâmetro de controle, não gozando, todavia, de autoridade formalmente
vinculante[9].
Jurisprudência não se
confunde com precedente. Juraci Mourão Lopes Filho bem explica: “precedente é uma resposta isolada a um caso
concreto, que pode ser utilizado para casos futuros diante da similitude
hermenêutica. Já a jurisprudência, justamente por significar a reiteração de
uma resposta hermenêutica em várias situações, não necessita de similaridade
entre os casos”[10].
As súmulas têm origem nos assentos
portugueses e massimas italianas.
Súmulas são resumos editados das teses vencedoras integrantes da jurisprudência
predominante de determinado tribunal sobre temas controvertidos em determinado
momento.
Na compreensão tradicional,
as súmulas constituem meio para ordenar e facilitar a tarefa judicante de
controle da interpretação e aplicação do direito no caso concreto, não gozando
igualmente de força vinculante[11].
Agora, aplicam-se sentidos
inovadores aos termos jurisprudência e súmula porquanto funcionam como guias
para a interpretação do direito[12], para o sistema de
administração da Justiça Civil como um todo e para a sociedade civil em geral.
Trata-se de instituto de
relevância ímpar na aplicação e efetivação do Direito, pois o precedente projeta
seus efeitos jurídicos para o futuro, condicionando o comportamento de
distintos sujeitos em casos similares, revelando seu caráter normativo[13].
Essas são as noções
introdutórias que devem nortear o estudo sobre precedentes judiciais.
[1] Dulce
Anne Freitas Feitosa
é Assessora do Tribunal de Justiça da Bahia, Mestranda em Direito pela UFBA,
Pós graduada em Direito e Processo do Trabalho pela UNIJORGE (2004), Professora
e Diretora Acadêmica da Faculdade Social Sul Americana (FASS).
[2] CAMBI, Eduardo; FOGAÇA, Matheus
Vargas. Sistema dos precedentes judiciais obrigatórios no novo Código de
Processo Civil. In Precedentes. Coordenadores Fredie Didier Jr. et Al. Coleção
grandes temas do novo CPC, v.3. Coordenador geral: Fredie Didier Jr. Salvador:
Juspodivm, 2015, p. 335-360.
[3] Emenda Constitucional no 3, de
17 de março de 1993. Altera os arts. 40, 42, 102, 103, 155, 156, 160, 167 da
Constituição Federal. Art. 1.o Os dispositivos da Constituição Federal abaixo
enumerados passam a vigorar com as seguintes alterações: ... Art. 102. .......
I - ....... a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo
federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato
normativo federal; § 1.o A argüição de descumprimento de preceito fundamental,
decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na
forma da lei. § 2.o As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo
Tribunal Federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato
normativo federal, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante,
relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo
[4]
Lei 9.868/1999: Art. 28. Dentro do prazo de dez dias após o trânsito em
julgado da decisão, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial
do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União a parte dispositiva do
acórdão. Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de
inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a
declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia
contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à
Administração Pública federal, estadual e municipal.
[5] CÂMARA, Alexandre Freitas. O
novo processo civil brasileiro. 2 ed. SP: Atlas, 2016, p. 428.
[6] BARREIROS,
Lorena Miranda Santos. Estruturação de um sistema de precedentes no Brasil e concretização da igualdade: desafios no contexto de uma
sociedade multicultural. In Precedentes. Coordenadores Fredie Didier Jr.
et Al. Coleção grandes temas do novo CPC, v.3. Coordenador geral: Fredie Didier
Jr. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 183-213
[7] MONNERAT, Fábio Victor da Fonte. A
jurisprudência uniformizada como estratégia de aceleração do procedimento. In Direito Jurisprudencial. Coordenadora:
Tereza Arruda Alvim Wambier. SP: RT, 2012, p. 345
[8] SHIMITZ, Leonard Ziesemer.
Compreendendo os “precedentes "no Brasil: fundamentação de decisões com
base em outras decisões. SP: Revista de processo, n. 226, dezembro/2013, p. 353
[9] MITIDIERO, Daniel. Precedentes.
Da persuasão à vinculação. SP: RT, 2017, 2 ed e-book baseada 2 ed impressa.
[10] LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os
precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro contemporâneo. Salvador:
JusPodivm, 2014. 11 LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no
constitucionalismo brasileiro contemporâneo. Salvador: JusPodivm, 2014, p. 127
[11] 12 MITIDIERO, Daniel.
Precedentes. Da persuasão à vinculação. SP: RT, 2017, 2 ed e-book baseada 2 ed
impressa.
[12] MITIDIERO, Daniel. Precedentes,
jurisprudência e súmulas no novo código de processo civil brasileiro. Revista
de Processo, vol. 245/2015, julho/2015, p. 333 – 349.
[13] ROSITO, Francisco. Teoria dos
precedentes judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá,
2012, p. 92.
Olá, gostei muito do conteúdo !
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