hermenêutica principiológica
Por: Josinaldo
Leal de Oliveira[1]
Em tempos atuais faz-se necessário compreender além
do que se é apresentado materialmente por um princípio, daí a razão de escrever
esses leves traços a respeito da hermenêutica principiológica, pois quando da
verificação da função dos princípios, evidencia-se que estes desempenham
relevante papel no ordenamento jurídico. Porém, faz-se necessário compreender
efetivamente a hermenêutica principiológica, para bem destinar os princípios no
âmbito jurídico.
É cediço que a interpretação é tarefa precípua do
operador do Direito. Este vive em constante processo interpretativo, posto que
em seu labor habitual interpreta normas, regras, condutas, expressões e,
principalmente, princípios.
Nesse sentido, sustenta Jerz Wróblewski[2]:
la interpretación legal
juega un papel central en cualquier discurso jurídico. En el discurso
jurídico-pratico se relaciona con la determinación del significado de los
textos legales y a menudo influye en la calificación de los hechos a los que se
aplican las regras legales. En el discurso teórico-jurídico, en el nivel de la
dogmática jurídica, la llamada la interpretación doctrinal se utiliza con
frecuencia para sistematizar el derecho en vigor y para construir conceptos
jurídicos. Las regras legales se interpretam también en la actividad
legislativa cuando el legislador tiene que determinar el significado de un
texto legal ya existente y cuando considera las posibles interpretaciones que,
en situaciones futuras, puedan tener las regras que él va promulgar.
Porém, é preciso constatar que os princípios não podem
ser interpretados em fatias ou em pedaços, o processo interpretativo exige uma
compreensão do todo, da estrutura nuclear valorativa do princípio. A interpretação
em si, deve ter como propósito sempre atender ao interesse social a que a norma
ou princípio se destina. Nesse particular, o art. 5º da Lei de Introdução às
Normas do Direito Brasileiro determina que na aplicação da lei, leia-se também
dos princípios, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às
exigências do bem comum.
Ponderando de forma relevante, Miguel Reale[3] assevera
que:
Interpretar uma lei importa, previamente, em
compreendê-la na plenitude de seus fins sociais, a fim de poder-se, desse modo,
determinar o sentido de cada um de seus dispositivos. Somente assim ela é
aplicável a todos os casos que correspondam àqueles objetivos. Como se vê, o
primeiro cuidado do hermeneuta contemporâneo consiste em saber qual a
finalidade social da lei, no seu todo, pois é o fim que possibilita penetrar na
estrutura de suas significações particulares.
Assim, a hermenêutica jurídica oferece diversas
técnicas para orientar o processo interpretativo, sendo doutrinariamente
classificadas em: gramatical, sistemática, histórica, sociológica e teleológica[4].
Deve observar o operador do direito que as mais
diversas técnicas interpretativas não devem ser aplicadas isoladamente. O campo
de aplicação é o da efetiva integração, posto que não se excluem, mas dialogam
entre si. Nesse sentido, sustenta Gonzalo Mourullo apud Soares[5]:
En realidad la
interpretación de la norma jurídica es siempre pluridimensional, no
unidimensional, y se va desarrollando desde diversas perspectivas. Se habla,
como de todos es sabido, de uma interpretación histórica, sistemática,
gramatical y teleológica. Cada una de estas interpretaciónes nos oferece
distintos puntos de vista para compreender el sentido último de la norma.
A técnica de interpretação gramatical, da qual o intérprete
exerce a sua atividade analisando as expressões normativas, com uma perspectiva
etimológica, tem se mostrado pobre e superada na contemporaneidade. No âmbito
da análise de um princípio, sob essa perspectiva, se percebe que o núcleo não é
atingido, face às restrições do hermeneuta.
Em outra dimensão, a técnica sistemática, para
alguns doutrinadores, denominada de lógico-sistemática, a atuação do intérprete
é ampla, ultrapassando os contornos limitativos da norma ou do princípio. Nessa
técnica, o hermeneuta analisa o princípio considerando todo o sistema, bem como
a ordenamentos paralelos que sejam com eles compatíveis.
Nesse particular, abre-se porta para o diálogo de
fontes normativas diversas. Assim, os princípios também devem se comunicar, emanar
luzes e receber luzes. Com essa técnica interpretativa, o operador do direito
habilita-se a iniciar um processo de ponderação para solucionar eventual
conflito de aplicação principiológica.
A técnica interpretativa histórica, por seu turno,
permite ao hermeneuta analisar os antecedentes do preceito normativo vigente,
perquirindo as razões, motivos e fatos que levaram ao surgimento do comando
normativo ou principiológico analisado. No caso do princípio da
vulnerabilidade, imperativo no sistema de consumo, por exemplo, o hermeneuta
deve constatar que o consumidor, historicamente, foi alvo de práticas abusivas
e que ao interpretar o referido princípio deverá compreender as razões de um
sistema protetivo.
A outra técnica interpretativa é a sociológica, que
tem como escopo promover efetividade à norma jurídica e ao princípio analisado.
O princípio passa a ser interpretado em reflexo às necessidades sociais, aos
fins sociais. Nesse mesmo sentido, o processo teleológico procura a finalidade
da norma e do princípio no ordenamento jurídico, os fins a que ele se destina, servindo
de parâmetro para os demais processos interpretativos.
No âmbito do sistema de consumo, o Código de Defesa
do Consumidor brasileiro, com
estrutura e diretriz principiológica, deve ter seus princípios interpretados a
partir de uma atuação harmônica do intérprete, prestigiando a essência
protetiva, em razão da vulnerabilidade do consumidor. Por certo, os princípios
no CDC precisam ser interpretados sob a perspectiva
de dois outros princípios: dignidade da pessoa humana e vulnerabilidade.
Assim, efetivamente, no aspecto hermenêutico, não
apenas as regras jurídicas devem ser interpretadas em favor do consumidor, como
inclusive dispõe o art. 47 do CDC, mas, principalmente os princípios, posto que são
eles que conduzem a atuação do operador do direito no sistema jurídico.
Por certo, o operador do direito moderno tem o
dever de extrair da norma e dos princípios a exata dimensão do seu conteúdo.
REFERÊNCIAS
REALE, Miguel. Lições preliminares de
direito, 22. Ed., São Paulo: Saraiva, 1995.
SOARES, Ricardo Maurício Freire. A nova
interpretação do Código brasileiro de Defesa do Consumidor. São Paulo:
Saraiva, 2007.
WRÓBLEWSKI,
Jerzy. Constitución y teoría general de la interpretación jurídica.
Madrid: Editorial Civitas, 1988.
[1] Advogado; Pós Doutorando em
Direito (UNIME); Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais (UMSA). Pós-Graduado em
Direito Civil, Direito do Consumidor e Docência do Ensino Superior. Professor da
UNEB e da FASS-UNIFASS, além de vários Cursos de Pós-Graduação e Preparatórios
para Carreira Jurídica.
[2] WRÓBLEWSKI, Jerzy. Constitución y teoría general de la
interpretación jurídica. Madrid: Editorial Civitas, 1988, p. 33
[3] REALE, Miguel. Lições preliminares de direito, 22. Ed.,
São Paulo: Saraiva, 1995. p. 285.
[4] SOARES, Ricardo Maurício Freire. A nova interpretação do Código
brasileiro de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2007.
[5] Idem.
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