segunda-feira, 12 de novembro de 2018

HERMENÊUTICA PRINCIPIOLÓGICA


Leves traços sobre 
hermenêutica principiológica



Por: Josinaldo Leal de Oliveira[1]



Em tempos atuais faz-se necessário compreender além do que se é apresentado materialmente por um princípio, daí a razão de escrever esses leves traços a respeito da hermenêutica principiológica, pois quando da verificação da função dos princípios, evidencia-se que estes desempenham relevante papel no ordenamento jurídico. Porém, faz-se necessário compreender efetivamente a hermenêutica principiológica, para bem destinar os princípios no âmbito jurídico.

É cediço que a interpretação é tarefa precípua do operador do Direito. Este vive em constante processo interpretativo, posto que em seu labor habitual interpreta normas, regras, condutas, expressões e, principalmente, princípios.

Nesse sentido, sustenta Jerz Wróblewski[2]:



la interpretación legal juega un papel central en cualquier discurso jurídico. En el discurso jurídico-pratico se relaciona con la determinación del significado de los textos legales y a menudo influye en la calificación de los hechos a los que se aplican las regras legales. En el discurso teórico-jurídico, en el nivel de la dogmática jurídica, la llamada la interpretación doctrinal se utiliza con frecuencia para sistematizar el derecho en vigor y para construir conceptos jurídicos. Las regras legales se interpretam también en la actividad legislativa cuando el legislador tiene que determinar el significado de un texto legal ya existente y cuando considera las posibles interpretaciones que, en situaciones futuras, puedan tener las regras que él va promulgar.


Porém, é preciso constatar que os princípios não podem ser interpretados em fatias ou em pedaços, o processo interpretativo exige uma compreensão do todo, da estrutura nuclear valorativa do princípio. A interpretação em si, deve ter como propósito sempre atender ao interesse social a que a norma ou princípio se destina. Nesse particular, o art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro determina que na aplicação da lei, leia-se também dos princípios, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

Ponderando de forma relevante, Miguel Reale[3] assevera que:


Interpretar uma lei importa, previamente, em compreendê-la na plenitude de seus fins sociais, a fim de poder-se, desse modo, determinar o sentido de cada um de seus dispositivos. Somente assim ela é aplicável a todos os casos que correspondam àqueles objetivos. Como se vê, o primeiro cuidado do hermeneuta contemporâneo consiste em saber qual a finalidade social da lei, no seu todo, pois é o fim que possibilita penetrar na estrutura de suas significações particulares. 


Assim, a hermenêutica jurídica oferece diversas técnicas para orientar o processo interpretativo, sendo doutrinariamente classificadas em: gramatical, sistemática, histórica, sociológica e teleológica[4].



Deve observar o operador do direito que as mais diversas técnicas interpretativas não devem ser aplicadas isoladamente. O campo de aplicação é o da efetiva integração, posto que não se excluem, mas dialogam entre si. Nesse sentido, sustenta Gonzalo Mourullo apud Soares[5]:


En realidad la interpretación de la norma jurídica es siempre pluridimensional, no unidimensional, y se va desarrollando desde diversas perspectivas. Se habla, como de todos es sabido, de uma interpretación histórica, sistemática, gramatical y teleológica. Cada una de estas interpretaciónes nos oferece distintos puntos de vista para compreender el sentido último de la norma.


A técnica de interpretação gramatical, da qual o intérprete exerce a sua atividade analisando as expressões normativas, com uma perspectiva etimológica, tem se mostrado pobre e superada na contemporaneidade. No âmbito da análise de um princípio, sob essa perspectiva, se percebe que o núcleo não é atingido, face às restrições do hermeneuta.

Em outra dimensão, a técnica sistemática, para alguns doutrinadores, denominada de lógico-sistemática, a atuação do intérprete é ampla, ultrapassando os contornos limitativos da norma ou do princípio. Nessa técnica, o hermeneuta analisa o princípio considerando todo o sistema, bem como a ordenamentos paralelos que sejam com eles compatíveis. 

Nesse particular, abre-se porta para o diálogo de fontes normativas diversas. Assim, os princípios também devem se comunicar, emanar luzes e receber luzes. Com essa técnica interpretativa, o operador do direito habilita-se a iniciar um processo de ponderação para solucionar eventual conflito de aplicação principiológica.

A técnica interpretativa histórica, por seu turno, permite ao hermeneuta analisar os antecedentes do preceito normativo vigente, perquirindo as razões, motivos e fatos que levaram ao surgimento do comando normativo ou principiológico analisado. No caso do princípio da vulnerabilidade, imperativo no sistema de consumo, por exemplo, o hermeneuta deve constatar que o consumidor, historicamente, foi alvo de práticas abusivas e que ao interpretar o referido princípio deverá compreender as razões de um sistema protetivo.

A outra técnica interpretativa é a sociológica, que tem como escopo promover efetividade à norma jurídica e ao princípio analisado. O princípio passa a ser interpretado em reflexo às necessidades sociais, aos fins sociais. Nesse mesmo sentido, o processo teleológico procura a finalidade da norma e do princípio no ordenamento jurídico, os fins a que ele se destina, servindo de parâmetro para os demais processos interpretativos.

No âmbito do sistema de consumo, o Código de Defesa do Consumidor brasileiro, com estrutura e diretriz principiológica, deve ter seus princípios interpretados a partir de uma atuação harmônica do intérprete, prestigiando a essência protetiva, em razão da vulnerabilidade do consumidor. Por certo, os princípios no CDC precisam ser interpretados sob a perspectiva de dois outros princípios: dignidade da pessoa humana e vulnerabilidade.

Assim, efetivamente, no aspecto hermenêutico, não apenas as regras jurídicas devem ser interpretadas em favor do consumidor, como inclusive dispõe o art. 47 do CDC, mas, principalmente os princípios, posto que são eles que conduzem a atuação do operador do direito no sistema jurídico.

Por certo, o operador do direito moderno tem o dever de extrair da norma e dos princípios a exata dimensão do seu conteúdo.



REFERÊNCIAS



REALE, Miguel. Lições preliminares de direito, 22. Ed., São Paulo: Saraiva, 1995.

SOARES, Ricardo Maurício Freire. A nova interpretação do Código brasileiro de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2007.

WRÓBLEWSKI, Jerzy. Constitución y teoría general de la interpretación jurídica. Madrid: Editorial Civitas, 1988.





[1] Advogado; Pós Doutorando em Direito (UNIME); Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais (UMSA). Pós-Graduado em Direito Civil, Direito do Consumidor e Docência do Ensino Superior. Professor da UNEB e da FASS-UNIFASS, além de vários Cursos de Pós-Graduação e Preparatórios para Carreira Jurídica.
[2] WRÓBLEWSKI, Jerzy. Constitución y teoría general de la interpretación jurídica. Madrid: Editorial Civitas, 1988, p. 33
[3] REALE, Miguel. Lições preliminares de direito, 22. Ed., São Paulo: Saraiva, 1995. p. 285.
[4] SOARES, Ricardo Maurício Freire. A nova interpretação do Código brasileiro de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2007.
[5] Idem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário