do senso comum
Por:
Mário Bastos[1]
1 INTRODUÇÃO
Nas
linhas que se seguem busca-se analisar a crescente formação de um discurso
contrário ao discurso dos Direitos Humanos, bem como as críticas formuladas
pelos defensores daquele, pelos defensores deste.
Assim,
aponta-se problemas de formação desse contradiscurso que ignora elementos
racionais, históricos, políticos e jurídicos da formação do discurso dos Direitos
Humanos e suas relações intrínsecas com o Estado, os direitos e as noções de
cidadania e de liberdade civil.
Ao
ignorar essa relação o contradiscurso recorre a
construções falaciosas que tem por fim recorrer a um modelo de Estado que se
distancia do modelo de Estado de Direito e se alinha com o modelo de Estado de Polícia,
típico de regimes autoritários, a pretexto da manutenção de uma sensação de
segurança em detrimento do valor maior da liberdade civil.
Observo
ainda como esse contradiscurso abre mão de critérios racionais e recorre à
técnicas de espetacularização e sensibilização, recorrendo à emotividade, com o
objetivo de constranger o interlocutor, pretensamente lhe impondo um lugar de
fala que seria moralmente indefensável, e, muito por isso, que deveria ser
descartado ao bem do que poderia vir a ser considerado pelo senso comum como o
melhor para a sociedade.
O
senso comum, todavia, presta um desserviço à sociedade civil, quando busca
ocupar o lugar crítico da esfera pública, haja vista não recorrer a relações
que priorizam a racionalidade, mas, acima de tudo, preferem o recurso a
soluções que ignoram o desenho institucional do Estado de Direito. Soluções
que, muito por não se submeterem a um escrutínio de racionalidade, tendem a
confundir vingança com justiça, retornando, em última instância, ao apelo a um
estado de coisas político e jurídico que remete aos modelos autocráticos e
aristocráticos que imperaram no antigo regime.
Em
oposição à aparente eminência do contradiscurso em questão, que se sustenta no
senso comum e ocupa um progressivo espaço na esfera pública, busca-se definir,
analisando o objeto específico dos Direitos Humanos, o lugar de fala do
discurso dos Direitos Humanos, a fim de afastar certas críticas que busquem
apontar pretensas incoerências racionais, com o intuito de descartá-los como
instrumento necessário de manutenção e desenvolvimento do estado de direitos.
2
RELAÇÕES INTRÍNSECAS ENTRE OS DIREITOS HUMANOS E O ESTADO DE DIREITOS
A
doutrina dos Direitos Humanos existe desde a fundação do Estado de Direitos, e
remete a importantes marcos jurídicos e políticos como o Bill of Rights - que tiveram dentre suas preocupações principais
justamente a garantia da presunção de inocência - e a Declaração dos direitos
do Homem e do Cidadão. Tais documentos serviram, indiscutivelmente, de pedra
angular para as novas dinâmicas de poder entre Estado e indivíduo - agora
imbuído do novo caráter de Cidadão - que formaram tanto a principal motivação
como objetivo final da transição do Antigo Regime para o Novo.
Desta
forma, contribuíram para a formação de um novo desenho institucional, político
e jurídico, que carregava em seu cerne, acima de tudo, a noção de um Estado de Direitos,
ou seja, um Estado que tinha como parâmetro maior de poder a Lei com critérios
objetivos que impunham comportamentos, procedimentos, sanções e principalmente,
garantias e prerrogativas, a todos os cidadãos indistintamente, em contraponto
ao modelo do Antigo Regime que, a grosso modo, tinha como parâmetro o arbítrio
de um monarca ou de uma aristocracia.
Fica
evidente, assim, que o recurso aos Direitos Humanos está intrinsecamente
relacionado à formação do Estado de Direitos, sendo um absolutamente dependente
do outro, não apenas para sua gênese, mas, e acima de tudo, para seu
desenvolvimento a manutenção de sua existência. Em outro plano, trata-se de
elemento essencial e garantidor da própria figura do cidadão, possuidor de
direitos, aos quais se estende garantias para que haja preservação e efetivação
dos mesmos, principalmente contra atos de arbítrio daqueles que exercem o
Poder.
Trata-se,
enfim, de mecanismo capaz de legitimar a força do titular do poder - o cidadão
reunido na figura simbólica do Povo - contra eventuais violações que venham a
ser cometidos por simples mandatários do poder. Os Direitos Humanos ocupam, pois, acima de tudo, o espaço político, jurídico
e simbólico do último e mais resistente bastão de defesa do cidadão contra os
excessos e arbitrariedades do Estado.
3
O CONTRADISCURSO AOS DIREITOS HUMANOS, SEU RECURSO AO SENSO COMUM E SEU PAPEL
DELETÉRIO
Neste
sentido, é bastante preocupante o desenvolvimento e reforço a determinado tipo
de discurso que se apresenta com caráter deletério à noção de Direitos humanos
no âmbito da esfera pública. Discurso esse que se vale de estereótipos de fácil
assimilação pelo senso comum - mas que, como de praxe, frequentemente ignoram
elementos essenciais que se encontram na base da delicada relação entre
Direitos Humanos e Estado de Direitos que constituem requisitos de
possibilidade para a instituição da liberdade civil em toda sua extensão.
Os
estereótipos aos quais aqui nos referimos são de fácil identificação e, apesar
de uma variação ou outra, vão na linha das seguintes fórmulas fáceis,
destinadas meramente ao fácil consumo e desprovidas de qualquer senso crítico,
sendo na maioria das vezes até mesmo absolutamente sem sentido e/ou, elas
mesmas, não por acaso, evidentes violações de direitos fundamentais.
Alguns
exemplos mais notórios são as máximas: “Direitos Humanos ou Direitos dos
Manos?”ou “Direitos Humanos para Humanos Direitos!”. Ambas se sustentam na alegação
falaciosa - e deletéria, como cumpre reforçar - de que a defesa dos Direitos
Humanos existe apenas para proteger o infrator da lei penal e que, muito por
conta disso, a partir de uma concepção atávica, acrítica e inapropriada do
mundo, fundada numa ideia de dualidade simplista, oporia dois campos da
sociedade, dividindo-a - conforme defendeu Carl Schmitt[2], em certa
medida - entre inimigos e amigos, induzindo à noção de que, alguns sujeitos de
direitos devem possuir uma tutela de direitos mais ampla do que outros, havendo
assim, também, uma distinção entre classes de cidadãos.
Daí
a distorção de que os organismos de defesa dos Direitos Humanos ao denunciarem
violações de garantias do cidadão cometidas pelo Estado, notadamente quando o
cidadão em questão é um suspeito ou condenado pela Justiça e o Estado se
apresenta na pessoa do seu preposto agente de segurança pública, estariam
pleiteando uma defesa imprópria a um sujeito que não é, conforme entendimento
do senso comum, merecedor de qualquer tipo de defesa.
Portanto,
ao assim se posicionarem, a favor dos direitos dos criminosos, esse povo dos Direitos Humanos - para
destacar aqui outro estereótipo bastante comum - estaria não demonstrando assim
qualquer sensibilidade por aqueles que se sacrificam em favor da segurança da
sociedade e evidentemente se
posicionando contra os policiais. Também por essa razão os Direitos Humanos, no
entender desse senso comum, devem valer apenas para os Humanos Direitos, ou seja, as Pessoas
de Bem, para recorrer aqui a outro perigoso estereótipo reforçado pelo
senso comum.
É
comum nos depararmos com esse tipo de formulação acima reproduzida através dos
programas policialescos que assolam as redes de TV e que, em última instância,
defendem a instauração de um Estado de Polícia em detrimento de um Estado de Direitos,
na melhor das hipóteses, quando não - muitas vezes anunciadamente - invocam o
retorno à Lex Talionis, numa franca
demonstração de luta pelo retrocesso de direitos, contrário a tudo que qualquer
lógica jurídica associada à construção de direitos fundamentais, ou mesmo de
bom senso, possa apontar.
É
comum ainda que nas redes sociais sejamos tomados de assalto por desdobramentos
diretos desse tipo de discurso deletério, dessa vez praticados por inúmeros
indivíduos, a partir de suas esferas privadas, que motivados por um crescente
clima de insegurança e pelo temor, confundem justiça com vingança. Esses
desdobramentos costumam recorrer a imagens fortes que se apresentam com a
função de ocupar um espaço de argumentos irrefutáveis da lógica,
sustentando-se, assim, como é evidente, não em um potencial argumentativo, mas
na tentativa de gerar constrangimento ao outro para se opor a uma ideia sob
pena de ser, aquele que crítica, taxado de insensível, estúpido ou mesmo tão
criminoso quanto o indigitado facínora da hora.
Opor
a crítica, enfim, nesses casos, implica necessariamente - de acordo com a
dinâmica imposta por esse tipo de discurso falacioso e deletério que aqui
aponto - em se opor à sociedade e às pessoas
de bem. Recorre-se a um sem número de falácias, assim, em um mesmo ato e
silencia-se pelo clamor geral absoluto, irracional e acrítico do senso comum.
Há
assim uma evidente falácia daqueles que recorrem ao discurso contrário aos
Direitos Humanos e que colocam esse povo dos
Direitos Humanos em posição de ininterrupto constrangimento e até de culpa
por associação aos criminosos - que são condenados à morte, algumas vezes
física pela barbárie do vigilantismo e dos linchamentos, mas sempre cívica
sendo-lhes imediata e violentamente desprovidos de sua condição de cidadão pelo
senso comum - que são evidentemente inimigos que devem ser eliminados, sem
qualquer possibilidade de recurso ao devido processo legal, à ampla defesa ou a
uma já moribunda presunção de inocência.
É
muito comum, por exemplo, encontrarmos como uma das epítomes desse discurso
falacioso e deletério o questionamento falacioso que se disfarça de reflexão,
recorrendo mais uma vez à aparente irrefutabilidade dos fatos e ao
constrangimento ao contraditório, acompanhada de lamentáveis imagens - que
inclusive violam a dignidade dos mesmos - de um corpo carbonizado, ou perfurado
por balas, ou absolutamente espancado de um policial, a seguinte sentença: a seguinte sentença: Cadê esse povo dos Direitos Humanos? Por que não se indignam com a
morte desse policial?
Sem
dúvida alguma que, enquanto indivíduos e seres humanos, não há como afastar a
possibilidade de sensibilização perante o flagelo e o sofrimento do outro. Sem
entrar no mérito de que essa sensibilização deveria vir, pelo menos em uma
perspectiva moral em seu sentido kantiano, independentemente dos atos
perpetrados por outrem, o que há de se considerar, em última análise, é que
nesses casos a defesa de direitos não tem como parâmetro principal um recurso a
um elemento emotivo, mas acima de tudo de um elemento racional, conhecido no
ordenamento jurídico como a lei, ou, sendo ainda mais específico a Constituição
e sua função fundamental de garantia de direitos para todo e qualquer cidadão,
principalmente contra a força do Estado.
Em
suma, a questão não versa acerca de uma possível insensibilidade a uns em
detrimento de outros, tampouco de favorecimento ou apadrinhamento de uma
pretensa determinada classe - os bandidos, vagabundos e facínoras - em
detrimento de outra - a classe das pessoas
de bem - que deveria, a entender das razões de fundo desse discurso, ser
considerada mais nobre e mais digna de proteção de direitos. A verdade é que a
proteção de direitos deve ser sempre estendida a todos. E esta máxima existe
para garantir a máxima da liberdade civil contra o risco de atos que se
equiparam àqueles praticados em regimes de caráter absolutista ou autoritário.
4
"O POVO DOS DIREITOS HUMANOS NÃO LIGA PARA O POLICIAL MORTO"
A
falácia aqui apontada reside na conveniente omissão daqueles que fazem coro
contra esse povo dos Direitos Humanos
em apontar que em verdade, como ressaltado acima, o grande objeto de defesa dos Direitos Humanos são os atos de excesso e
abuso do Estado contra o Cidadão.
Essa
questão está relacionada àquilo que gostaríamos de classificar como
esclarecimento do lugar de fala do discurso dos Direitos Humanos como
instrumento de garantia de sua legitimidade. Algo que ironicamente, em tempos
pretéritos, poderia ser considerada como uma platitude, nos tempos
contemporâneos, face ao avanço galopante de um conservadorismo reacionário e da
formação de uma plateia irreflexiva que ameaça ocupar o lugar da esfera pública
no jogo democrático, parece se mostrar como, lamentavelmente, mais que
necessária.
Assim,
afirmar que o povo dos Direitos Humanos
aparentemente não se sensibiliza com a tragédia que vitima um policial, ou
qualquer agente de segurança pública, além de falaciosa não é tampouco
pertinente para apontar uma aparente incoerência que importe em prejuízo ao
discurso dos Direitos Humanos ou mesmo que o deslegitime.
A
primeira falácia aí é considerar que há uma possível parcialidade do discurso
dos Direitos Humanos que escolheria a defesa de criminosos apenas. A segunda falácia,
que decorre da primeira, sugere que o discurso dos Direitos Humanos, ao
defender apenas criminosos, se colocaria contra policiais. A terceira, segue-se
da segunda, e entende que, ao assim se posicionar, o discurso dos Direitos
Humanos careceria de qualquer sensibilidade evidente que seria intrínseca à
própria ideia de humanidade e, assim sendo, apresenta-se como absolutamente
incoerente e vazia. A quarta seria que, muito por conta disso tudo, o referido
discurso seria em si falacioso, portanto, uma alternativa nada válida para a
experiência da convivência política, social e jurídica em comunidade, e para o
processo civilizatório. Assim sendo, em um recurso a fortiori, a defesa dos Direitos Humanos deveria ser descartada
tanto em âmbito jurídico, quanto político e social a bem de um determinado
ideal de pacificação e de garantia, acima de tudo, de segurança em detrimento
de qualquer outro valor que se possa apresentar-se em contrário.
Sem
entrar no mérito em si das falácias acima elencadas, o que se percebe é que
todo esse desenvolvimento não leva em consideração qual seria o principal
objeto conceitual a tradição política, jurídica, teórica e filosófica que
orbita o discurso dos Direitos Humanos. Objeto este que deixamos bem claro
acima: garantia de direitos do indivíduo contra a atuação arbitrária e abusiva
do Estado no exercício do poder. Ignora ainda que seja possível que um
indivíduo seja capaz de se posicionar sobre os mais diversos temas a partir de
viés distinto que é pertinente à análise do objeto crítico posto, sem que isso
importe, necessariamente, em incoerência.
Afirmar
que o discurso do povo dos Direitos
Humanos é insensível unicamente pelo fato de parecer defender criminosos e
se opor a policiais é uma absurda falácia que não leva em consideração o objeto
central da defesa dos Direitos Humanos. Isso por que não considera que o objeto
crítico do Discurso dos Direitos Humanos, qual seja: violações de direitos
fundamentais do cidadão perpetradas pelo Estado, exige que a crítica, na
maioria das vezes, se destine às ações do Estado, e não aos atos dos
particulares. Mais ainda, ignora que tal postura crítica não implica em
absolvição daqueles que tiveram seus direitos violados, ou melhor dizendo,
ignora que, mesmo um criminoso, não cessa de gozar de cidadania e de direitos
pelo simples fato de ter cometido um crime, por mais vil e torpe que este venha
a ser.
O
que se observa, enfim, é que há um lugar de fala do povo dos Direitos Humanos, que não deve ser confundido com uma
defesa de impunidade, de oposição direta ao cidadão policial tampouco de
escolha de uma posição em favor de um inimigo contrariamente à sociedade.
Em
outras palavras, da mesma forma que você não vai ver o povo dos Direitos Humanos, usando o discurso de defesa dos Direitos
Humanos para exigir justiça no caso do policial, você também não verá se a
vítima fosse um cidadão de outra profissão queimado por um traficante. Não que
não se deva exigir Justiça. Não que não que o policial carbonizado não mereça
justiça. Não que não se sensibilize.
Não
é isso.
A
mecânica dual do cérebro humano, infelizmente, tende a inverter a questão
naturalmentee, portanto, já antecipo questionamentos: e os Direitos Humanos do
policial? O policial, evidente, é um ser humano, um sujeito de direitos e um
cidadão sujeito a violações. Fosse ele preso arbitrariamente, torturado ou
executado pelo estado, num claro exercício de tribunal de exceção, ele teria
alguns daqueles que chamam Direitos Humanos expressos violados.
Mas
e a vida? Não é um direito humano? Sim. De fato, o é. Porém, nem toda perda da
vida de forma brutal e criminosa pode ser considerada, num sentido estrito, uma
violação dos Direitos Humanos. O bem da vida é tão importante que não é
tutelado apenas pelos Direitos Humanos elencados em seu sentido estrito. É
tutelado também pelo Direito Penal, que, nesse caso, determina sanções
punitivas que devem ser seguidas estritamente pelo Estado. Afinal, ao Estado é
dado o direito de fazer apenas o que a lei determina. Seu princípio
estruturante é o a estrita legalidade.
Quando alguém do povo dos Direitos Humanos se insurge contra violações de direitos de cidadãos acusados de crimes - é até errado apontá-los como criminosos, sem que haja sentença transitado em julgado - não é o mesmo que gritar pela impunidade do acusado. O que se exige não é que o acusado saia impune, mas que ele seja punido de forma civilizada, racional e não passional, que haja justiça e não vingança, como determina a Lei. Que nem o Estado se exceda, e que não haja tribunal de exceção, como também a Lei determina.
Quando
há críticas de maus tratos de acusados tutelados pelo Estado - as inúmeras
cenas dantescas do sistema carcerário brasileiro que testemunhamos dia após
dia, por exemplo, e que não posso crer que alguém em sã consciência não possa
ao menos achar cruel e uma expressa violação de direitos - o que se exige é a
defesa dos Direitos daquele acusado. Que por ser criminoso, não deixa de ser
cidadão, independentemente da crueldade do crime que tenha cometido. Segue
sendo um sujeito de direitos, pois.
Objetivamente falando, haja vista que o ato vil e criminoso que vitimou o cidadão que exerce função de agente público de segurança não foi cometido pelo Estado, não há que se falar, a rigor, em violação dos Direitos Humanos. Evidente que é possível se falar em ato de omissão do Estado ao não treinar e equipar devidamente o policial, e isso implicar, indiretamente, em uma violação de Direitos Humanos do policial que se relacionam com condições ideais de trabalho, segurança e a vida, todos Direitos Humanos.
Trata-se
aí de desenvolvimentos interpretativos que derivam do núcleo essencial do
objeto da análise, qual seja, as garantias dos cidadãos. Afinal, o policial,
assim como o criminoso, é também um cidadão. Mas de uma coisa não há margem
para dúvidas: em qualquer análise sempre se buscará responsabilizar os Estado,
comissiva ou omissivamente, por atos que implicaram em violações dos direitos
do ser humano e do cidadão, direta ou indiretamente.
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O
cerne do Estado de Direitos que surgiu após a Revolução Francesa não é outro
senão a garantia dos Direitos fundamentais e humanos. A criação de instrumentos
que impeçam que aqueles que ocupem o poder reincidam nas práticas arbitrárias
do antigo regime. No absolutismo. No despotismo. No totalitarismo até.
É
preciso que estejamos atentos a essas premissas básicas e compreendemos o
verdadeiro escopo da agenda de defesa dos Direitos Humanos. Atualmente a
consolidação desse contradiscurso deletério que pretende vilanizar essa agenda
que é de vital importância para o estado de direitos parece avançar a passos
largos. Tornou-se senso comum a de que quem defende Direitos Humanos é a favor
de criminosos. Trata-se, todavia, de uma grande falácia que cada vez mais
produz resultados deletérios ao Estado de Direitos e que vão na contramão e
inúmeras conquistas históricas da cidadania e da civilização humana.
Os
Direitos Humanos são um dos esteios do Estado de Direitos é se opor àqueles é
opor-se a este último e, portanto, sempre perigoso para todos nós, enquanto
cidadãos. Significa por em risco valores muito caros, como que ninguém deve ser
condenado sem provas, que o Estado não tem o direito de punir ou agir sem que
seja dentro dos estritos limites legais ou, mesmo, acima de tudo de que todos
são iguais perante a lei. E mais: que o princípio orientador da construção do
ideal de civilização humana deve ser nossa razão, e apenas ela. A justiça se
diferencia da vingança por isso. Por advir, a primeira, de um sistema racional,
enquanto a última é produto de nossas paixões e intransigências.
Garantir a defesa dos Direitos Humanos não é, pois, defender bandidos e assim se colocar contra o policial. Ambos são cidadãos e assim merecem e devem ter a mesma tutela de direitos face os excessos do Estado. O policial, todavia, no exercício de suas funções, é um mandatário do poder público, um preposto, e deve estar, na sua posição de Estado, atento aos limites de sua atuação enquanto manifestação da força pública. Pois se o mesmo não age, no exercício de suas funções, conforme determina a estrita legalidade, ele sem dúvida comete um erro que em certos casos, se voltado contra aqueles direitos fundamentais garantidos ao cidadão contra o excesso da ação estatal, não tenham dúvidas que se configuram em uma violação de direitos humanos.
É
nesse lugar que se posicionam "o povo dos Direitos Humanos", no
delicado papel de defender os direitos dos cidadãos, todos eles,
independentemente dos crimes que possam ter cometido, contra os abusos do
Estado. Mas para isso é preciso vencer nossas paixões e intransigências. Não é
fácil. Mas é preciso que alguém o faça.
Não há dúvidas de que o povo dos Direitos Humanos também quer justiça para o policial morto. Mas a justiça não pode ser da lei de Talião. Não pode ser a de queimar, torturar e linchar o criminoso responsável. Pois isso seria uma violação de prerrogativas legais de defesa de sua integridade física, impostas pela Lei. Isso seria uma violação de seus Direitos Humanos. Melhor dizendo, seria uma violação do Estado de Direitos Humanos, que quando agredido mesmo na pessoa de um, implica em severos prejuízos a todos, ainda que na maioria das vezes a sociedade civil e o senso comum não se dê conta disso.
[1] Mário Bastos é Advogado,
Pós Graduado em Direito Tributário pela UFBA (2007) e Mestre em Filosofia
pela UFBA (2017) e Doutorando em Filosofia pela UFBA. Professor de Direito Constitucional, bem como de Filosofia e Filosofia
do Direito da FASS - UNIFASS. Membro da Comissão de Direitos Humanos
da OAB-BA (2016...).
[2] Schmitt defende
essa ideia, com bastante propriedade, diga-se de passagem, em sua famosa obra O
Conceito do Político. Para Schmitt as relações políticas se pautavam numa
dinâmica de amigos versus inimigos, numa constante tensão entre forças opostas
de poder que, através do dissenso constante, poderiam alcançar resultados
políticos legítimos. Em certa medida não é possível afirmar que Schmitt estava
absolutamente errado em sua afirmação. Todavia, é perceptível que é um viés
perigoso opor relações entre cidadãos e estado com base nessa dinâmica, como
muitos defensores dessa ideia parecem querer aplicar as relações entre direitos
humanos e estado de direitos, principalmente e mais perigoso ainda, nas
relações entre cidadãos e cidadãos.
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