segunda-feira, 19 de novembro de 2018

A HERMENÊUTICA RESPONDE 10

Incentivos fiscais para aquisição de taxi ou vans na Lei Brasileira de Inclusão: quem é o destinatário da lei, pessoa com deficiência ou qualquer pessoa?

Milton Silva Vasconcellos[1]

Editada em 6 de julho de 2015, a Lei 13146/15 (Estatuto das Pessoas com Deficiência, também chamada de Lei Brasileira de Inclusão - LBI) concretiza e regulamenta a Convenção Sobre o Direito das Pessoas com Deficiência (2006), que prevê direitos fundamentais para estas pessoas.

Do conjunto de direitos fundamentais previstos, chama a atenção a previsão do art. 51 quando trata do direito ao incentivos fiscais para aquisição de veículos (táxis e vans), gerando assim a dúvida quanto aos destinatários deste benefício. Afinal quando art. 51§ 2, da LBI, prevê o benefício do incentive fiscal, a quem se destina: a) à pessoa com deficiência (que neste caso teria o benefício para adquirir o veículo); ou b) a qualquer pessoa que se interesse e deseje trabalhar no transporte de pessoas com deficiência.

Importante perceber que caso prevaleça a primeira tese reconhecendo as pessoas com deficiência, exclusivamente enquanto adquirentes do veículo, estar-se-ia a tutelar o direito fundamental ao trabalho, haja vista tratar-se de veículos para funcionar como “táxi”.



Por outro lado, caso prevaleça a segunda tese em favor de qualquer pessoa que se interesse e deseje trabalhar no transporte de pessoas com deficiência, estar-se-ia a tutelar outro direito fundamental destas pessoas, à mobilidade.

Ambas interpretações parecem cabíveis e concretizam direitos fundamentais previstos na LBI. Neste caso surge a indagação: qual a interpretação mais correta?

A Hermenêutica responde!

Para tanto, toma-se como objeto o citado texto normativo do art. 51, §2:

Art. 51.  As frotas de empresas de táxi devem reservar 10% (dez por cento) de seus veículos acessíveis à pessoa com deficiência.
[...]
§ 2o O poder público é autorizado a instituir incentivos fiscais com vistas a possibilitar a acessibilidade dos veículos a que se refere o caput deste artigo (BRASIL, 2015).

Implementando-se o exercício hermenêutico de interpretação sistemática, deve-se destacar que o artigo em comento encontra-se situado no Capítulo X, que trata sobre “Transportes e Mobilidade”. Por outro lado, ao tratar do direito ao trabalho, o legislador escolheu o Capítulo VI, indicando, desta forma, importante diretriz hermenêutica para o deslinde e definição da melhor interpretação a ser adotada.

Pois que, ao determinar o sentido e alcance deste texto o intérprete volta-se ao conjunto normativo e não apenas ao texto objeto de sua análise, alcançando, assim, a diretriz da “mobilidade” para determinar o sentido e o alcance do §2 do art. 51 da LBI, resultando, assim, numa exegese que remete à  segunda tese como a mais adequada, ou seja, os destinatários do benefício fiscal não são as pessoas com deficiência (de forma exclusiva), mas, sim, qualquer pessoa que se interesse e deseje trabalhar no transporte de pessoas com deficiência.

O raciocínio explica-se, pois se a interpretação desejada pelo legislador fosse a primeira tese (de beneficiar as pessoas com deficiência exclusivamente enquanto adquirentes do veículo) ele teria situado o texto no Capítulo VI, que trata sobre trabalho, e não no Capítulo X, que trata sobre Mobilidade.

Além do parâmetro sistemático utilizado, deve-se atentar ao fato de que tratando-se de textos que veiculam direitos fundamentais, deve o intérprete escolher a exegese que permita a maior efetividade possível, desta forma, uma vez que o vetor de interpretação é a “mobilidade” e não o “trabalho” será mais efetivo à concretização deste direito uma interpretação que estabeleça um sentido ao parágrafo segundo que alcance todas pessoas (desde que se dediquem a trabalhar em taxis ou vans para pessoas com deficiência), concretizando, assim, outra regra hermenêutica que determina que não se deve interpretar direitos fundamentais de  forma restrita.



[1] Milton Silva Vasconcellos é Advogado, Mestrando em Políticas Sociais e Cidadania pela UCSAL, Pós-graduado em Direito Público pela Maurício de Nassau, Bolsista da FAPESB, integrante do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Trajetórias Participativas e Políticas Sociais (UFRB) e Professor da FASS – UNIFASS. Autor do Livro "Lições de Hermenêutica Jurídica", bem como do Livro "Direito Tributário".

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