Milton Silva Vasconcellos[1]
Editada em 6 de
julho de 2015, a Lei 13146/15 (Estatuto das Pessoas com Deficiência, também
chamada de Lei Brasileira de Inclusão - LBI) concretiza e regulamenta a
Convenção Sobre o Direito das Pessoas com Deficiência (2006), que prevê
direitos fundamentais para estas pessoas.
Do conjunto de
direitos fundamentais previstos, chama a atenção a previsão do art. 51 quando
trata do direito ao incentivos fiscais para aquisição de veículos (táxis e vans), gerando assim a dúvida quanto aos
destinatários deste benefício. Afinal quando art. 51§ 2, da LBI, prevê o
benefício do incentive fiscal, a quem se destina: a) à pessoa com deficiência
(que neste caso teria o benefício para adquirir o veículo); ou b) a qualquer
pessoa que se interesse e deseje trabalhar no transporte de pessoas com
deficiência.
Importante
perceber que caso prevaleça a primeira tese reconhecendo as pessoas com
deficiência, exclusivamente enquanto adquirentes do veículo, estar-se-ia a
tutelar o direito fundamental ao trabalho, haja vista tratar-se de veículos
para funcionar como “táxi”.
Por outro lado, caso
prevaleça a segunda tese em favor de qualquer pessoa que se interesse e deseje
trabalhar no transporte de pessoas com deficiência, estar-se-ia a tutelar outro
direito fundamental destas pessoas, à mobilidade.
Ambas
interpretações parecem cabíveis e concretizam direitos fundamentais previstos
na LBI. Neste caso surge a indagação: qual a interpretação mais correta?
A Hermenêutica
responde!
Para tanto, toma-se como objeto o citado texto normativo do art. 51, §2:
Art. 51.
As frotas de empresas de táxi devem reservar 10% (dez por cento) de seus
veículos acessíveis à pessoa com deficiência.
[...]§ 2o O poder público é autorizado a instituir incentivos fiscais com vistas a possibilitar a acessibilidade dos veículos a que se refere o caput deste artigo (BRASIL, 2015).
Implementando-se
o exercício hermenêutico de interpretação sistemática, deve-se destacar que o
artigo em comento encontra-se situado no Capítulo X, que trata sobre “Transportes
e Mobilidade”. Por outro lado, ao tratar do direito ao trabalho, o legislador
escolheu o Capítulo VI, indicando, desta forma, importante diretriz
hermenêutica para o deslinde e definição da melhor interpretação a ser adotada.
Pois que, ao
determinar o sentido e alcance deste texto o intérprete volta-se ao conjunto
normativo e não apenas ao texto objeto de sua análise, alcançando, assim, a
diretriz da “mobilidade” para determinar o sentido e o alcance do §2 do art. 51
da LBI, resultando, assim, numa exegese que remete à segunda tese como a mais adequada, ou seja, os
destinatários do benefício fiscal não são as pessoas com deficiência (de forma
exclusiva), mas, sim, qualquer pessoa que se interesse e deseje trabalhar no
transporte de pessoas com deficiência.
O raciocínio
explica-se, pois se a interpretação desejada pelo legislador fosse a primeira
tese (de beneficiar as pessoas com deficiência exclusivamente enquanto
adquirentes do veículo) ele teria situado o texto no Capítulo VI, que trata
sobre trabalho, e não no Capítulo X, que trata sobre Mobilidade.
Além do parâmetro
sistemático utilizado, deve-se atentar ao fato de que tratando-se de textos que
veiculam direitos fundamentais, deve o intérprete escolher a exegese que permita
a maior efetividade possível, desta forma, uma vez que o vetor de interpretação
é a “mobilidade” e não o “trabalho” será mais efetivo à concretização deste
direito uma interpretação que estabeleça um sentido ao parágrafo segundo que
alcance todas pessoas (desde que se dediquem a trabalhar em taxis ou vans para
pessoas com deficiência), concretizando, assim, outra regra hermenêutica que
determina que não se deve interpretar direitos fundamentais de forma restrita.
[1] Milton Silva Vasconcellos é Advogado, Mestrando em Políticas Sociais e Cidadania pela
UCSAL, Pós-graduado em Direito Público pela Maurício de Nassau, Bolsista
da FAPESB, integrante do Grupo
de Estudos e Pesquisa sobre Trajetórias Participativas e Políticas Sociais (UFRB) e Professor da FASS – UNIFASS. Autor do Livro "Lições de Hermenêutica Jurídica", bem como do Livro "Direito Tributário".
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