sexta-feira, 9 de novembro de 2018

DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA


POR QUE NÃO CONSCIÊNCIA HUMANA?

Por: Franklim da Silva Peixinho[1]

Doze anos atrás, no mês de novembro do ano de 2006, quando lecionava a disciplina “Literatura e Redação” na Escola Estadual Heraldo Tinoco, lá no final de linha do bairro soteropolitano de Sete de Abril, perguntei o seguinte aos alunos de uma turma noturna do terceiro ano do ensino médio: Quem pode me dizer dez nomes de negros e negras da literatura brasileira?

Entre conversas paralelas e furtivas, olhos alquebrados de proletários, sorrisos e espantos, seguiu-se então um silêncio sepulcral, às vezes quebrado com um ou outro discente que tentava me ajudar nessa empreitada. Ao final, não chegamos nem a metade da tarefa proposta. Numa turma de alunos negros, com um professor negro, aquela dificuldade era sintomática.

Mais voltemos um pouco à época do “achamento” do Brasil. Nos contatos políticos dos portugueses com os povos originários, uma das estratégias foi estabelecer uma assimétrica troca cultural, ao passo que a Companhia de Jesus, pioneira na missão de “educar” os povos do Novo Mundo, agregava traços culturais indígenas nas missas e festas católicas (Parenética), e se esmeravam no domínio da língua nativa, através da gramática tupi elaborada pelo padre José de Anchieta (1595) (Greive, 2007). Contudo, esta aculturação não foi tão sem resistência, as “Santidades Indígenas”, e aqui na Bahia a “Santidade Jaguaripe”, foi a nossa contra-reforma a proposta latente de dominação cultural jesuíta, em que pajés, com o dom da oratória, convenciam aos indígenas nos aldeamentos a desertarem para uma “terra prometida” que estaria nos “sertões”. O guia para esta cruzada, tal como Moisés ou Messias, seria aquela própria liderança indígena, que os levariam para uma terra sem males e com fartura, talvez uma releitura do “maná”, porém feito de tapioca, e ao invés de cair do céu, o alimento sagrado brotava da terra. Era ainda, uma estratégia discursiva das lideranças indígenas, que recuperou muitas “ovelhas” tupis, tupinambás..., ao misturar elementos do cristianismo com a própria crença nativa, além de desarticular politicamente os negócios da metrópole portuguesa aqui na colônia (CARDOSO, 2015).



O fato é que os valores culturais dos povos originários e africanos foram, e ainda são, alvo de um perverso etnocídio - a morte cultural de um povo ou a tentativa desta- patrocinada pela estrutura formal de educação e demais veículos de controle social. Estado, Direito e a Igreja Católica desempenharam o papel de veicular e internalizar a crença da inferioridade dos “povos sem alma”, negros e índios, e assim os dominarem física e espiritualmente. Língua, dança, música, crença ou qualquer expressão cultural que não fosse européia e cristã era duramente reprimida, com o fito na eliminação da identidade de um povo.

Senão vejamos:
“Mãe por que tudo é branco? Por que Jesus é branco de olhos azuis? Por que na última ceia todos são brancos? Os Anjos são brancos... Mãe, depois que morrer vamos ao céu? ‘Claro!’ Então, o que aconteceu com todos os anjos negros? (...) Já sei, é porque os brancos também estão no céu, os anjos negros estão na cozinha preparando o leite e o mel”. Este texto é um trecho de uma entrevista de Muhammad Ali, em que ironiza o racismo vivido em solo estadunidense.

Aqui no Brasil, negros foram proibidos de freqüentar escolas públicas pela Lei n. 1, de 1837, na Província do Rio de Janeiro – “Artigo 3º São prohibidos de frequentar as Escolas Publicas: 2º Os escravos, e os pretos Africanos, ainda que sejão livres ou libertos” (texto transcrito com linguagem original da época). Entre 1890 e 1930 a prática da Capoeira era um tipo penal previsto no Código Penal da Primeira República.

João da Cruz e Sousa, poeta simbolista, do século XIX, por ser negro foi impedido de assumir o cargo de promotor público em Laguna – Santa Catarina. Lima Barreto, autor de “Triste Fim de Policarpo Quaresma" e filho de ex-escravos, expressa a discriminação racial vivida em seus escritos. Jesse Owens, atleta norte-americano, que mesmo ganhando uma medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Verão de 1936 na Alemanha Nazista, em seu país, teve que entrar pelas portas dos fundos de um grande hotel, pelo fato de ser negro, e não ser permitido “as pessoas de cor” ingressarem pela porta principal. No caso, Owens se submeteu a este ultraje, para participar de um jantar promovido no respectivo hotel em sua homenagem pelo desempenho esportivo. E que homenagem!

O indígena Biraci Brasil Nixiwaka e o professor Felipe Milanez no artigo “Uma nova Era, a Era do Amor: Espiritualidade e luta por liberdade do povo Yawanawá”, remontam a reconstrução historiográfica, por meio da oralidade, do povo Yawanawá, atacados moralmente pelo período de 30 anos por uma missão religiosa evangélico-cristã, que difundia neste povo a crença de inferioridade do indígena e a demonização das suas crenças (nesse sentido, ver o documentário “Ex-pajé”). Fato muito semelhante ocorre nos presídios baianos através de algumas igrejas evangélicas pentecostais; uma denominação religiosa, inclusive, distribui nos presídios o livro “Orixás, Caboclos e Guias: Deuses ou Demônios?”, obra que ataca diretamente a crença religiosa oriunda do Candomblé e da Umbanda. 

Ainda sobre estereótipos e preconceitos, o minstrel show nos Estados Unidos era um espetáculo teatral que retratavam negros como idiotas, obtusos e infantis, por meio de atores brancos com rostos pintados (blackfaces).

Pois bem, numa longa caminhada de resistência e lutas, alcançamos através da Lei n° 10639/2003, mais uma ferramenta de combate ao racismo cultural, ao instituir o ensino obrigatório de História da África e dos Povos Indígenas, a partir de uma historiografia que combata a idéia de passividade, inferioridade dos povos negros e indígenas – muito difundida nos livros didáticos - e a demonização religiosa, até por que o diabo é cristão e não provém das crenças de matriz afro e/ou indígena. Este dispositivo legal, 10639/2003, soma-se a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, aos Arts. 4°, inc. VIII, art. 5, inc. XLII, art. 205, art. 231 da CF/88, entre outras ilações hermenêutico-constitucionais (art. 5, §2° da CF/88) que emergem para defesa e garantia do Direitos Humanos Fundamentais relacionados às questões étnicas.

Eis acima neste breve texto as razões para promoção não só do mês da Consciência Negra, como também da Memória dos Povos Indígenas, com a exaltação dos nossos antepassados anônimos, legados culturais e políticos, pois há camadas de racismo e genocídio cultural que demandam uma gama de políticas públicas pautadas na heterogeneidade e respeito às diferenças culturais, como corolário da isonomia exatamente no sentido aristotélico.

Quanto à pergunta feita em 2006, segue uma lista extensa: Machado de Assis, Carolina de Jesus, Maria Firmina dos Reis, Joel Rufino dos Santos, Conceição Evaristo, Cruz e Sousa, Esmeralda Ribeiro, Castro Alves, Lima Barreto, Alzira Rufino... 

Axé e resistência!



BIBLIOGRAFIA


CARDOSO, Jamille Oliveira Santos Bastos. ECOS DE LIBERDADE: a Santidade de Jaguaripe entre os alcances e limites da colonização cristã (1580-1595). Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação em História Social da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para a obtenção de Mestre em História. Orientadora: Profa. Dra. Maria Hilda Baqueiro Paraiso Coorientador: Prof. Dr. Marco Antônio Nunes da Silva, 2015.

MILANEZ, Felipe; NIXIWAKA, Biraci Brasil Uma nova Era, A Era do Amor: Espiritualidade e luta por liberdade do povo Yawanawá.

VEIGA, Cynthia Greive. História da Educação. São Paulo: Ática, 2007


[1] Franklim da Silva Peixinho é Advogado, Mestre em e Professor de Direito Humanos e Fundamentais da UNIFASS.

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