Por: Franklim da Silva Peixinho[1]
Doze
anos atrás, no mês de novembro do ano de 2006, quando lecionava a disciplina
“Literatura e Redação” na Escola Estadual Heraldo Tinoco, lá no final de linha
do bairro soteropolitano de Sete de Abril, perguntei o seguinte aos alunos de
uma turma noturna do terceiro ano do ensino médio: Quem pode me dizer dez nomes
de negros e negras da literatura brasileira?
Entre
conversas paralelas e furtivas, olhos alquebrados de proletários, sorrisos e
espantos, seguiu-se então um silêncio sepulcral, às vezes quebrado com um ou
outro discente que tentava me ajudar nessa empreitada. Ao final, não chegamos
nem a metade da tarefa proposta. Numa turma de alunos negros, com um professor
negro, aquela dificuldade era sintomática.
Mais
voltemos um pouco à época do “achamento” do Brasil. Nos contatos políticos dos
portugueses com os povos originários, uma das estratégias foi estabelecer uma
assimétrica troca cultural, ao passo que a Companhia de Jesus, pioneira na
missão de “educar” os povos do Novo Mundo, agregava traços culturais indígenas
nas missas e festas católicas (Parenética), e se esmeravam no domínio da língua
nativa, através da gramática tupi elaborada pelo padre José de Anchieta
(1595) (Greive, 2007). Contudo, esta aculturação não foi tão
sem resistência, as “Santidades Indígenas”, e aqui na Bahia a “Santidade
Jaguaripe”, foi a nossa contra-reforma a proposta latente de dominação cultural
jesuíta, em que pajés, com o dom da oratória, convenciam aos indígenas nos aldeamentos
a desertarem para uma “terra prometida” que estaria nos “sertões”. O guia para
esta cruzada, tal como Moisés ou Messias, seria aquela própria liderança
indígena, que os levariam para uma terra sem males e com fartura, talvez uma
releitura do “maná”, porém feito de tapioca, e ao invés de cair do céu, o
alimento sagrado brotava da terra. Era ainda, uma estratégia discursiva das
lideranças indígenas, que recuperou muitas “ovelhas” tupis, tupinambás..., ao
misturar elementos do cristianismo com a própria crença nativa, além de
desarticular politicamente os negócios da metrópole portuguesa aqui na colônia
(CARDOSO, 2015).
O fato
é que os valores culturais dos povos originários e africanos foram, e ainda são,
alvo de um perverso etnocídio - a morte cultural de um povo ou a tentativa
desta- patrocinada pela estrutura formal de educação e demais veículos de
controle social. Estado, Direito e a Igreja Católica desempenharam o papel de
veicular e internalizar a crença da inferioridade dos “povos sem alma”, negros
e índios, e assim os dominarem física e espiritualmente. Língua, dança, música,
crença ou qualquer expressão cultural que não fosse européia e cristã era
duramente reprimida, com o fito na eliminação da identidade de um povo.
Senão
vejamos:
“Mãe
por que tudo é branco? Por que Jesus é branco de olhos azuis? Por que na última
ceia todos são brancos? Os Anjos são brancos... Mãe, depois que morrer vamos ao
céu? ‘Claro!’ Então, o que aconteceu com todos os anjos negros? (...) Já sei, é
porque os brancos também estão no céu, os anjos negros estão na cozinha
preparando o leite e o mel”. Este texto é um trecho de uma entrevista de
Muhammad Ali, em que ironiza o racismo vivido em solo estadunidense.
Aqui no Brasil, negros foram proibidos de
freqüentar escolas públicas pela Lei n.
1, de 1837, na Província do Rio de Janeiro – “Artigo 3º São prohibidos de frequentar as Escolas
Publicas: 2º Os escravos, e os pretos Africanos, ainda que sejão livres ou libertos” (texto transcrito com linguagem original
da época). Entre 1890 e 1930 a prática da Capoeira era um tipo penal previsto
no Código Penal da Primeira República.
João da Cruz e Sousa, poeta simbolista, do
século XIX, por ser negro foi impedido de assumir o cargo de promotor público
em Laguna – Santa Catarina. Lima Barreto, autor de “Triste Fim de Policarpo
Quaresma" e filho de ex-escravos, expressa a discriminação racial vivida
em seus escritos. Jesse Owens, atleta norte-americano, que mesmo ganhando uma
medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Verão de 1936 na Alemanha Nazista, em seu país, teve que entrar pelas portas
dos fundos de um grande hotel, pelo fato de ser negro, e não ser permitido “as
pessoas de cor” ingressarem pela porta principal. No caso, Owens se submeteu a
este ultraje, para participar de um jantar promovido no respectivo hotel em sua
homenagem pelo desempenho esportivo. E que homenagem!
O indígena Biraci Brasil Nixiwaka e o
professor Felipe Milanez no artigo “Uma nova Era, a Era do Amor:
Espiritualidade e luta por liberdade do povo Yawanawá”, remontam a reconstrução
historiográfica, por meio da oralidade, do povo Yawanawá, atacados moralmente
pelo período de 30 anos por uma missão religiosa evangélico-cristã, que
difundia neste povo a crença de inferioridade do indígena e a demonização das
suas crenças (nesse sentido, ver o documentário “Ex-pajé”). Fato muito
semelhante ocorre nos presídios baianos através de algumas igrejas evangélicas
pentecostais; uma denominação religiosa, inclusive, distribui nos presídios o
livro “Orixás, Caboclos e Guias: Deuses ou Demônios?”, obra que ataca
diretamente a crença religiosa oriunda do Candomblé e da Umbanda.
Ainda sobre estereótipos e preconceitos, o
minstrel show nos Estados Unidos era um espetáculo teatral que retratavam
negros como idiotas, obtusos e infantis, por meio de atores brancos com rostos
pintados (blackfaces).
Pois bem, numa longa caminhada de resistência
e lutas, alcançamos através da Lei n° 10639/2003, mais uma ferramenta de
combate ao racismo cultural, ao instituir o ensino obrigatório de História da
África e dos Povos Indígenas, a partir de uma historiografia que combata a
idéia de passividade, inferioridade dos povos negros e indígenas – muito
difundida nos livros didáticos - e a demonização religiosa, até por que o diabo
é cristão e não provém das crenças de matriz afro e/ou indígena. Este
dispositivo legal, 10639/2003, soma-se a Convenção Internacional sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, aos Arts. 4°, inc. VIII,
art. 5, inc. XLII, art. 205, art. 231 da CF/88, entre outras ilações
hermenêutico-constitucionais (art. 5, §2° da CF/88) que emergem para defesa e
garantia do Direitos Humanos Fundamentais relacionados às questões étnicas.
Eis acima neste breve texto as razões para
promoção não só do mês da Consciência Negra, como também da Memória dos Povos
Indígenas, com a exaltação dos nossos antepassados anônimos, legados culturais
e políticos, pois há camadas de racismo e genocídio cultural que demandam uma
gama de políticas públicas pautadas na heterogeneidade e respeito às diferenças
culturais, como corolário da isonomia exatamente no sentido aristotélico.
Quanto à pergunta feita em 2006, segue uma
lista extensa: Machado de Assis, Carolina de Jesus, Maria Firmina dos Reis,
Joel Rufino dos Santos, Conceição Evaristo, Cruz e Sousa, Esmeralda Ribeiro,
Castro Alves, Lima Barreto, Alzira Rufino...
Axé e resistência!
BIBLIOGRAFIA
CARDOSO, Jamille Oliveira Santos Bastos. ECOS DE
LIBERDADE: a Santidade de Jaguaripe entre os alcances e limites da colonização
cristã (1580-1595). Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação em
História Social da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para a
obtenção de Mestre em História. Orientadora: Profa. Dra. Maria Hilda Baqueiro
Paraiso Coorientador: Prof. Dr. Marco Antônio Nunes da Silva, 2015.
MILANEZ, Felipe; NIXIWAKA, Biraci Brasil Uma
nova Era, A Era do Amor: Espiritualidade e luta por liberdade do povo Yawanawá.
VEIGA, Cynthia Greive. História da Educação. São Paulo:
Ática, 2007
[1]
Franklim
da Silva Peixinho é Advogado, Mestre em e Professor de Direito
Humanos e Fundamentais da UNIFASS.
Excelente!!!!
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