segunda-feira, 2 de setembro de 2013

A IMPORTÂNCIA DA SOCIOLOGIA JURÍDICA

A IMPORTÂNCIA DA SOCIOLOGIA JURÍDICA
E OUTRAS DISCIPLINAS ZETÉTICAS NO DIREITO CONTEMPORÂNEO.
Prof. Rubem Valente[1]

“Quem só Direito sabe, nem Direito sabe.”
(Pontes de Miranda) 

1. INTRODUÇÃO

O estudo do Direito exige, sem dúvidas, precisão e rigor científico, mas, também, abertura para o histórico, o humano, o social.  O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por intermédio da resolução 75/2009, uniformizou os procedimentos relacionados ao concurso de ingresso na carreira da magistratura. Ao tratar do conteúdo das provas, inseriu-fato cada vez mais comum nos diversos certames de carreira jurídica, disciplinas como Sociologia jurídica; filosofia jurídica; Psicologia jurídica; ética, dentre outras.

Nesse prisma, ressaem questionamentos acerca da formação do profissional do Direito no século XXI. Muito se fala, modernamente, do operador do Direito capaz de aplicar a ciência jurídica numa perspectiva axiológica e epistemológica. O que mudou? Por que ou para que o novo modelo teórico jurídico dominante impõe essa perspectiva de estudo?


2. POSITIVISMO, PÓS-POSITIVISMO E A INFLUÊNCIA DOS VALORES ÉTICOS E DISCIPLINAS IRMÃS NO ESTUDO DO DIREITO


Desde o séc. XIX até a primeira metade do séc. XX predominou no estudo do direito o modelo teórico chamado positivismo jurídico.  O positivismo jurídico, num sentido amplo, transformou o saber jurídico num saber dogmático essencialmente técnico ou uma ciência técnica (tecnologia). Hans Kelsen (1979) é o nome do autor que eleva o positivismo ao patamar mais alto. Em sua obra “Teoria Pura do Direito” elege a autonomia do Direito como um problema científico fundamental e confere métodos e objetos próprios, capazes de assegurar ao jurista conhecimento científico do Direito. Para tanto, norteia-se pelo princípio da pureza com o qual pretende uma suposta neutralidade científica livre de influências “perturbadoras” de ordem epistemológica (sociologia, antropologia, economia, etc) e axiológica (filosofia, ética, etc).


Nessa linha de raciocínio, o estudo do Direito não deve versar sobre os julgamentos de valor; o que é justo ou injusto (legitimidade), mas sim, tão somente, sobre o lícito ou ilícito, constitucional ou inconstitucional, válido ou inválido; enfim, construções teóricas baseadas tão somente num silogismo lógico-dedutivo. Assim, sempre é possível, que uma norma indubitavelmente injusta, inadequada ou inconveniente, seja apreciada apenas em sua validade e /ou eficácia.  

Para o positivismo, em sua última instância, a norma é uma mera prescrição de conduta; um “dever ser”, sendo o Direito, desse jaez, um ciência notadamente regida pelo princípio da imputação (que segue o silogismo dado A, deve ser B). Esse princípio, prevê, por exemplo, determinada sanção (B) que deva ser imputada a uma conduta considerada pelo direito como ilícita (A). Exemplo: uma conduta ilícita que cause um dano moral ou patrimonial que traz a imputação do dever de indenizar.

O sistema jurídico, nesse ponto de vista, constitui-se meramente em uma ordem coercitiva; um sistema de sanções. Observe-se que a ciência jurídica, por essa razão, é fundamentalmente diferente das outras ciências, ditas naturais, pois estas operam, no mundo natural, predominantemente aplicando o princípio da causalidade (dado A é B). Todo efeito provém de uma causa e toda causa produz um efeito. Exemplo: o aquecimento da água a 100 ºc, em condições normais de pressão atmosférica, é causa da evaporação da água.
  
Já na segunda metade do sec. XX, precisamente após a segunda guerra mundial, iniciou-se um esforço de superação do Positivismo Jurídico, movimento este que busca incorporar ao ordenamento jurídico os mais altos valores sociais, aproximando o Direito da ética e da Justiça.

Nessa ordem de idéias, Luís Roberto Barroso (2009) destaca que o Pós-positivismo Jurídico é consequência dos grandes momentos constituintes da última metade do Século XX. Nesse sentido, as novas Constituições acentuam a hegemonia axiológica dos princípios, convertidos em tesouro normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais. Por essa razão, alguns atribuem a esse novo modelo teórico do Direito o nome de neo-constitucionalismo.


Assim, resta evidente que o estudo do Direito hoje, muito embora concebido como ciência cultural, não se resume a sua dimensão normativa. Da célebre e atual Teoria Tridimensional do Direito, de Miguel Reale (1998), ressaem três dimensões do estudo jurídico, a saber: fática, valorativa e normativa.  Há, portanto, na perspectiva contemporânea, segundo Tercio Sampaio de Ferraz Jr. (1980), que batizou a ciência jurídica como “ciência dogmática”, duas possibilidades de proceder a investigação de uma problema jurídico: o enfoque dogmático e o enfoque zetético.


O enfoque dogmático analisa o direito enquanto prescrições de conduta; dogmas, um “dever ser” muito aproximado do viés positivista. Por outro lado, a seu turno, o enfoque zetético contempla o verdadeiro “pensar jurídico”, questiona a ordem normativa e inclui a influência de disciplinas irmãs além de ampla dimensão valorativa que incluem questionamentos acerca da dignidade, direitos humanos, igualdade substancial, acesso à justiça, função social, etc.

3.  O DIREITO É UMA CIÊNCIA DOGMÁTICA

Nessa perspectiva, a Sociologia Jurídica ocupa-se, notadamente, do aspecto fático do direito; da realidade sobre a qual a norma se debruça, contemplando, portanto, em conjunto com outras disciplinas ditas zetéticas, parte essencial da verdadeira ciência do direito.

O estudioso/aplicador do Direito do séc. XXI, preconizado por Pontes de Miranda, portanto, deve ser completo. O jurista que pensa o Direito sem conhecer a sociedade, por via obliqua, a título de ilustração simbólica, é como um médico (brasileiro ou cubano, não importa... risos) que oferece diagnostico sem conhecer o paciente. Como refletir sobre a norma jurídica sem conhecer minimamente os mecanismos de coesão e desagregação social; o sistema de controle social, os fatores que interferem na eficácia normativa, nas relações biunívocas entre o ethos social e a Lei?

REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2009.
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. A Ciência do Direito. São Paulo: Atlas, 1980.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Coimbra: Arménio Amado, 1979.
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito.24. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.




[1] Rubem Valente é Advogado com atuação em soluções alternativas de conflitos, Pós graduado em Direito Processual Civil. Aluno do Doutorado em Direito Civil pela Universidad de Buenos Aires (UBA – Argentina), Professor de Sociologia e Sociologia Jurídica, bem como de Direito Civil da Faculdade APOIO UNIFASS, além de ser professor de vários cursos preparatórios para concursos, tais como LFG, UNIEQUIPE e do Complexo Renato Saraiva.

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