E
OUTRAS DISCIPLINAS ZETÉTICAS NO DIREITO CONTEMPORÂNEO.
Prof.
Rubem Valente[1]
“Quem
só Direito sabe, nem Direito sabe.”
(Pontes
de Miranda)
1. INTRODUÇÃO
O estudo do Direito
exige, sem dúvidas, precisão e rigor científico, mas, também, abertura para o
histórico, o humano, o social. O
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por intermédio da resolução 75/2009,
uniformizou os procedimentos relacionados ao concurso de ingresso na carreira
da magistratura. Ao tratar do conteúdo das provas, inseriu-fato cada vez mais
comum nos diversos certames de carreira jurídica, disciplinas como Sociologia
jurídica; filosofia jurídica; Psicologia jurídica; ética, dentre outras.
Nesse prisma, ressaem
questionamentos acerca da formação do profissional do Direito no século XXI.
Muito se fala, modernamente, do operador do Direito capaz de aplicar a ciência
jurídica numa perspectiva axiológica e epistemológica. O que mudou? Por que ou
para que o novo modelo teórico jurídico dominante impõe essa perspectiva de
estudo?
2. POSITIVISMO,
PÓS-POSITIVISMO E A INFLUÊNCIA DOS VALORES ÉTICOS E DISCIPLINAS IRMÃS NO ESTUDO
DO DIREITO
Desde o séc. XIX até a
primeira metade do séc. XX predominou no estudo do direito o modelo teórico
chamado positivismo jurídico. O
positivismo jurídico, num sentido amplo, transformou o saber jurídico num saber
dogmático essencialmente técnico ou uma ciência técnica (tecnologia). Hans
Kelsen (1979) é o nome do autor que eleva o positivismo ao patamar mais alto.
Em sua obra “Teoria Pura do Direito” elege a autonomia do Direito como um problema
científico fundamental e confere métodos e objetos próprios, capazes de
assegurar ao jurista conhecimento científico do Direito. Para tanto, norteia-se
pelo princípio da pureza com o qual pretende uma suposta neutralidade
científica livre de influências “perturbadoras” de ordem epistemológica (sociologia,
antropologia, economia, etc) e axiológica (filosofia, ética, etc).
Nessa linha de
raciocínio, o estudo do Direito não deve versar sobre os julgamentos de valor;
o que é justo ou injusto (legitimidade), mas sim, tão somente, sobre o lícito
ou ilícito, constitucional ou inconstitucional, válido ou inválido; enfim, construções
teóricas baseadas tão somente num silogismo lógico-dedutivo. Assim, sempre é
possível, que uma norma indubitavelmente injusta, inadequada ou inconveniente,
seja apreciada apenas em sua validade e /ou eficácia.
Para o positivismo, em
sua última instância, a norma é uma mera prescrição de conduta; um “dever ser”,
sendo o Direito, desse jaez, um ciência notadamente regida pelo princípio da
imputação (que segue o silogismo dado A, deve ser B). Esse princípio, prevê,
por exemplo, determinada sanção (B) que deva ser imputada a uma conduta
considerada pelo direito como ilícita (A). Exemplo: uma conduta ilícita que
cause um dano moral ou patrimonial que traz a imputação do dever de indenizar.
O sistema jurídico,
nesse ponto de vista, constitui-se meramente em uma ordem coercitiva; um
sistema de sanções. Observe-se que a ciência jurídica, por essa razão, é
fundamentalmente diferente das outras ciências, ditas naturais, pois estas
operam, no mundo natural, predominantemente aplicando o princípio da
causalidade (dado A é B). Todo efeito provém de uma causa e toda causa produz
um efeito. Exemplo: o aquecimento da água a 100 ºc, em condições normais de
pressão atmosférica, é causa da evaporação da água.
Já na segunda metade do
sec. XX, precisamente após a segunda guerra mundial, iniciou-se um esforço de
superação do Positivismo Jurídico, movimento este que busca incorporar ao
ordenamento jurídico os mais altos valores sociais, aproximando o Direito da
ética e da Justiça.
Nessa ordem de idéias,
Luís Roberto Barroso (2009) destaca que o Pós-positivismo Jurídico é
consequência dos grandes momentos constituintes da última metade do Século XX.
Nesse sentido, as novas Constituições acentuam a hegemonia axiológica dos princípios,
convertidos em tesouro normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico
dos novos sistemas constitucionais. Por essa razão, alguns atribuem a esse novo
modelo teórico do Direito o nome de neo-constitucionalismo.
Assim, resta evidente
que o estudo do Direito hoje, muito embora concebido como ciência cultural, não
se resume a sua dimensão normativa. Da célebre e atual Teoria Tridimensional do
Direito, de Miguel Reale (1998), ressaem três dimensões do estudo jurídico, a
saber: fática, valorativa e normativa.
Há, portanto, na perspectiva contemporânea, segundo Tercio Sampaio de Ferraz
Jr. (1980), que batizou a ciência jurídica como “ciência dogmática”, duas
possibilidades de proceder a investigação de uma problema jurídico: o enfoque
dogmático e o enfoque zetético.
O enfoque dogmático analisa
o direito enquanto prescrições de conduta; dogmas, um “dever ser” muito
aproximado do viés positivista. Por outro lado, a seu turno, o enfoque zetético
contempla o verdadeiro “pensar jurídico”, questiona a ordem normativa e inclui
a influência de disciplinas irmãs além de ampla dimensão valorativa que incluem
questionamentos acerca da dignidade, direitos humanos, igualdade substancial,
acesso à justiça, função social, etc.
3. O
DIREITO É UMA CIÊNCIA DOGMÁTICA
Nessa perspectiva, a Sociologia
Jurídica ocupa-se, notadamente, do aspecto fático do direito; da realidade
sobre a qual a norma se debruça, contemplando, portanto, em conjunto com outras
disciplinas ditas zetéticas, parte essencial da verdadeira ciência do direito.
O estudioso/aplicador
do Direito do séc. XXI, preconizado por Pontes de Miranda, portanto, deve ser
completo. O jurista que pensa o Direito sem conhecer a sociedade, por via
obliqua, a título de ilustração simbólica, é como um médico (brasileiro ou
cubano, não importa... risos) que oferece diagnostico sem conhecer o paciente. Como
refletir sobre a norma jurídica sem conhecer minimamente os mecanismos de
coesão e desagregação social; o sistema de controle social, os fatores que
interferem na eficácia normativa, nas relações biunívocas entre o ethos social e a Lei?
REFERÊNCIAS
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional
Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2009.
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. A Ciência do Direito. São Paulo: Atlas,
1980.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Coimbra: Arménio Amado, 1979.
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito.24. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.
[1] Rubem Valente é Advogado com
atuação em soluções alternativas de conflitos, Pós graduado em Direito
Processual Civil. Aluno do Doutorado em Direito Civil pela Universidad de Buenos Aires (UBA – Argentina), Professor de
Sociologia e Sociologia Jurídica, bem como de Direito Civil da Faculdade APOIO
UNIFASS, além de ser professor de vários cursos preparatórios para concursos,
tais como LFG, UNIEQUIPE e do Complexo Renato Saraiva.
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