Prof.
Milton Vasconcellos[1]
Positivado
nos termos do art. 229, CP o legislador penal tipificou uma conduta a qual
intitulou como crime de “casa de prostituição”:
Art.
229. Manter, por conta própria
ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não,
intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
A luz de simples subsunção, a conduta
típica decorre da prática de manter, por conta própria ou de terceiro,
estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja ou não intuito de lucro,
a qual remonta ao questionamento que origina o presente texto: afinal, então
ser proprietário de motel é crime?
A discussão, atrai ao debate o
questionamento da possibilidade ou não de incidência ao caso do princípio da
adequação social de Hans Wezel, cujo teor exprime a ideia da possibilidade de
que, ainda que exista perfeita subsunção da conduta ao tipo penal previsto em
lei, a conduta – em que pese típica formalmente – seja considerada atípica sob
um ponto de vista material, haja vista flagrante falta de lesividade ao bem
jurídico tutelado. (SANTORO FILHO, 2001, p. 47)
Do ponto de vista
hermenêutico, a solução indicada pelo princípio da adequação social exprime
nada menos que a combinação de alguns postulados de interpretação, em
específico: interpretação histórica, sistemática e teleológica.
Por interpretação
histórica, não se quer atribuir a limitada definição positivista que atribuía a
este meio interpretativo a simples utilização de documentos históricos
distintos do texto legislativo, para a partir destes reconstruir a vontade do
legislador (BOBBIO, 2006, p. 215) a compreensão da interpretação histórica,
superada esta obsessão positivista pela lei – sugere uma compreensão amparada
numa perspectiva pós-positivista onde a normatividade é vista e compreendida em
harmonia com a realidade social que se pretende regrar (CUNHA JÚNIOR, 2008, p.
33-36).
Com isso se quer
alcançar uma definição da interpretação histórica mais próxima de uma
interpretação evolutiva, na qual o intérprete reconstrói o sentido do texto a
partir das condições e exigências histórico-sociais. Para o caso citado por
exemplo, não se pode negar que ser proprietário e manter um motel é atividade largamente
aceita pela sociedade, sendo inclusive necessário expedição de alvará pelo
órgão de Vigilância sanitária, além de demais alvarás de funcionamento. Ora,
pode o estado aceitar a atividade por um lado e criminalizá-la por outro?
Os tributaristas por
certo, pedirão “vênia” e sustentarão em alto e bom som o princípio do pecúnia nom olet, mas esta é uma outra
história, a ser contada oportunamente...
Argumenta-se ainda que,
tomando-se como parâmetro o bem jurídico protegido, ser proprietário de motel não
chega a lesar o bem jurídico tutelado, o que remete a ideia ao outro tipo de
interpretação citada, a interpretação sistemática.
Por tal postura
interpretativa, leva-se em conta que o direito não é um reles aglomerado
normativo aleatório, exigindo-se assim uma postura de unidade do ordenamento
jurídico na qual o intérprete situa o dispositivo a ser interpretado como parte
de um todo maior, o contexto normativo geral, que lhe dá as conexões indispensáveis
à compreensão da norma (BARROSO, 2009, p. 140).
Para o caso ora
enfrentado, significa dizer que o texto normativo do art. 229, está
topograficamente situado no Título VI da parte especial do Código Penal e mais
especificamente no capítulo V intitulado: Do Lenocínio e do Tráfico de Pessoa para Fim de
Prostituição ou Outra Forma de Exploração Sexual.
Tais informações
trazem dados importantes na valoração sistemática do bem jurídico tutelado pois
se o Título VI citado trata dos crimes contra a dignidade sexual, o cap. V
cuida de delimitar essa ideia para a exploração sexual voltada à prostituição.
A luz da
doutrina prevalece a ideia de que é a moralidade pública sexual, o bem jurídico
tutelado: “A moralidade pública sexual é
o bem juridicamente protegido pelo tipo penal do delito de casa de prostituição
e, num sentido mais amplo, os costumes” (GRECO, 2006, p. 638)
No mesmo
sentido:
O bem jurídico tutelado é a moralidade sexual e os bons costumes, como já
mencionamos, os tribunais pátrios não vêm condenando os proprietários de vários
estabelecimentos onde há prostituição, sob o pretexto de que não são lugares
destinados exclusivamente à exploração sexual, mas motéis, bares, saunas ou
casas de massagem, que podem abrigar eventualmente condutas configuradoras da
prostituição (NUCCI, 2012, p.990)
Dessa
forma, advogando esta tese, ainda que típica, a conduta de ser proprietário de
motel não chega a lesar a moralidade sexual pública, não havendo portanto que
se falar em crime sob pena de violação do princípio penal da lesividade.
Por fim, cite-se o
último tipo de interpretação aqui mencionado a interpretação teleológica, cujo
teor, em essência, expressa a regra de que as normas devem ser interpretadas em
busca da finalidade que orienta a existência do texto normativo. Nesse sentido,
a interpretação teleológica deve valorar todos os elementos integrantes do
texto normativo – afinal não há palavras inúteis na lei – para que se alcance a
real finalidade do texto normativo dentro do âmbito social da lei, consoante
determina o art. 5 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (BARROSO,
2009, p. 143).
Nesse sentido,
observe-se que o texto normativo do art. 229, CP é formado inicialmente pelo verbo
manter que remete a uma noção de permanência, habitualidade. Tal constatação,
junto com a expressão “exploração sexual” (aqui já delimitada pela
interpretação sistemática à ideia de prática voltada à exploração da
prostituição), são suficientes para afastar a tipicidade material da conduta.
O tema na
jurisprudência contudo, não tem compreensão tão simples assim, sendo citado a priori, a posição do STJ foi fixada por ocasião do julgamento do HC 65.391-87, prevalecendo a ideia de que a
conduta é penalmente relevante:
CASA DE PROSTITUIÇÃO (ART. 229 DO C.P.). 'HABEAS CORPUS' PARA
TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR FALTA DE JUSTA CAUSA. INDEFERIMENTO NA INSTÂNCIA
DE ORIGEM. RECURSO DE HABEAS CORPUS IMPROVIDO. HAVENDO ELEMENTOS NO INQUERITO,
QUE AUTORIZAM A DENUNCIA; EM SE TRATANDO DE CRIME PERMANENTE, QUE EXIGE PROVA DE HABITUALIDADE, A
SER COMPLETADA NO CURSO DA INSTRUÇÃO; E NÃO CONTENDO A LICENCA, PARA
FUNCIONAMENTO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL AUTORIZAÇÃO (ALIAS, INADMISSIVEL)
PARA NELE SE INSTALAR CASA DE PROSTITUIÇÃO; NÃO É CASO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO
PENAL, ADEQUADAMENTE PROPOSTA” (RHC 65.391, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ
6.11.1987).
Para que não se alegue a data muito antiga do citado julgado,
cita-se um entendimento mais recente do STJ, onde se corrobora a tese da
tipicidade e relevância penal da conduta:
[...] A eventual tolerância ou indiferença na
repressão criminal, bem assim o pretenso desuso não se apresentam, em nosso
sistema jurídico-penal, como causa de atipia. O enunciado legal (art. 229 e
art. 230) é taxativo e não tolera incrementos jurisprudenciais.” “Os crimes em
comento estão gerando grande comoção social, em face da repercussão, existindo
uma mobilização nacional de proteção dos menores.” Recurso conhecido e
provido”. (REsp 585.750/RS, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA
TURMA, julgado em 10/02/2004, DJ 15/03/2004 p. 295)
A questão já alcançou o Supremo Tribunal Federal, gerando o
julgamento do Habeas Corpus 99144, ainda
em tramitação, onde o Pretório irá decidir qual interpretação tomar, definindo
portanto pela aceitação ou não do princípio da adequação social. Até lá, por
mais absurda que seja, a indagação inaugural do texto resta sem resposta e
enseja a indagação de outro absurdo:
Se ser proprietário de motel for crime, quem faz uso destes estabelecimentos pode ser considerado co-autor ou partícipe?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, Luis Roberto. Interpretação
e Aplicação da Constituição. São Paulo:
Ed. Saraiva, 2009
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso
de Direito Constitucional.
Salvador: JusPodivm, 2008.
GRECO. Rogério. Curso de Direito Penal. Rio de Janeiro: Impetus, 2006
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São
Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2012
SANTORO FILHO, Antonio Carlos. Teoria
do tipo penal. São
Paulo: Editora de Direito, 2001.
[1] Prof.
Milton Vasconcellos é Advogado, Especialista em Direito Público
(FABAC), Professor de Hermenêutica, Direito Tributário e Direito Penal da
Faculdade Apoio Unifass.
A prostituição é uma das profissões mais antiga do mundo, talvez tenha nascido antes do direito. Hoje não é criminalizada e a execução desta profissão tem que ocorrer em um lugar físico, não pode acontecer no espaço.
ResponderExcluirExiste locais onde ocorre os encontros amorosos, que por sinal é muito bem vindo, pois lá se pode fazer amor com segurança e conforto; estes não podem ser caracterizados como casa de prostituição pois não existe ninguém vendendo ou comprando corpo. Portanto, não vejo tipificação penal.
Voltando as casas de prostituição, Não vejo nenhum bem a ser tutelado pelo Estado na seara penal, baseado no princípio da adequação social. O direito penal precisa ser mais dinâmico, acompanhar a realidade social. No caso das casas de prostituição temos os envolvidos:
1- alguém que vende o seu corpo. Não fere a CF
2- Alguém que compra. Não fere a CF
3- alguém que aluga um espaço. Não fere a CF
Percebe-se que o Estado e a sociedade não perde com isto, Pelo contrário, o Estado arrecada impostos sobre esta empresa.
Com isto concluo dizendo: A lei deve prestigiar mais os costumes de uma sociedade, evoluindo, sofrendo mutação, para poder estar mais alinhada com a mesma.
Damu Majid
Eu acredito que não podemos criminalizar os estabelecimentos apenas porque as pessoas, através dos tempos é bem verdade, se utilizam das suas instalações de forma indevida ou inadequada. Digo isso partindo do entendimento de que os motéis surgiram da necessidade de pouso dos caminhoneiros, e como estes, invariavelmente, sentiam-se solitários durante as viagens, e tinham algum dinheiro, que por vezes eram pequenas fortunas se comparado ao meio de vida dos habitantes das regiões onde se instalavam os motéis, as prostitutas vislumbraram nas proximidades desses estabelecimentos a oportunidade ideal para aquecer, literalmente, as suas atividades, e sendo dessa maneira utilizados (os motéis) para esses encontros íntimos. Sem serem molestados pelo Estado, o que pressupõe uma tolerância a sua atividade,, seus proprietários passaram a investir cada vez mais em conforto, privacidade e sofisticação assumindo o rótulo de "local de encontros íntimos". E ao contrário de explorar atividades sexuais devemos ver os motel como um lugar onde as pessoas que optam pela atividade sexual, remunerada ou não, sentem-se seguras e preservadas.
ResponderExcluirMotel é um estabelecimento de hospedagem que se diferencia dos demais porque as pessoas geralmente vão até ele com o objetivo de manter relações sexuais e não necessariamente para conseguir alojamento, em sua grande maioria, não se cobra o valor de uma diária, mas sim por um valor de permanência de algumas horas (períodos).
ResponderExcluirNormalmente são oferecidos preservativos, um aparelho videocassete ou DVD com vídeos eróticos ou possibilidade de acesso a canais eróticos, cardápio para o almoço ou o jantar, teto com espelhos, banheira de hidromassagem, com garagem, podendo ser coletiva e/ou privativa para um ou mais automóveis.
Atualmente os motéis representam um momento de conforto, luxo e erotismo, além de apenas uma opção de hospedagem. As pessoas buscam num motel o diferencial que não conseguem ter em suas casas. Certos motéis oferecem, em suas suítes mais caras, pista de dança, sauna, piscina e outras coisas.
Baseado nestas características acredito ser o motel um estabelecimentoonde se a atividade economica destina-se ao sexo ou exploração sexual não mediante a contratação de prostitutas ou outra forma ilícita mas sim do ato sexual por livre e espontânea vontade entre as partes alí presentes. Não cabendo desta forma a sdubsunção por alguns apresentadas a casas de show (pagode, fank, boate, dentre outros) onde o fim que se destina é a diversão atrav´pes de música sendo o sexo uma consequancia para alguns o que nã quer dizer que as pessoas estejam ali com o único fim de praticar atos sexuais ao contrário do motel.
Desta forma acredito que o STF assim não o julga por se tratar de um estabelecimento registrado e onde se arrecadam impostos o que torna a prática lícita, haja vista que o artigo rata a atividade de exploração sexual como sendo uma atividade obtida através da ilicitude onde o termo exploração esta asssociado ao trabalho forçado ou escravo.
Ivana Souza
Ser Proprietário de motel é crime no Brasil?
ResponderExcluirProf. Milton Vasconcellos
De acordo com o Artigo 229 do Código Penal Brasileiro, Sim, porém a lei ainda não é cumprida.
Dispõe o artigo 229, intitulado “Casa de Prostituição”, com sua nova redação que:
“Art.. 229 Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento
em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou
mediação direta do proprietário ou gerente:
Pena - reclusão, de dois a cinco anos, e multa”.
O referido artigo, antes de sua modificação, tinha a seguinte
redação: “manter, por conta própria ou de terceiro, casa de prostituição ou local destinado a encontros para fins libidinosos, haja, ou não, intuito de lucro, ou mediação direta do proprietário ou gerente”.
Como se observa, o legislador atual decidiu por bem utilizar a expressão genérica “estabelecimento em que ocorra exploração sexual”, como
forma de alcançar a manutenção de qualquer estabelecimento, seja ou não
casa de prostituição. A doutrina dá exemplos dos prostíbulos, casas de
massagem, bordéis, randez vouz, boites de strip teases ou mesmo qualquer
outro lugar onde as pessoas se deixam explorar sexualmente, mesmo sem
finalidade de lucro.
Percebe-se que, apesar de várias críticas e até de previsões contrárias, o legislador manteve tipificada criminalmente a conduta de manutenção de casa de prostituição (ou motel).
Ter ou manter casa de prostituição (ou motel) é crime, diz STJ. Disponível
em: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20090311123823830.
Vera Lúcia Rodrigues -5º semestre de Direito
Em que pese, manter o motel não configura o crime acima citado, pelo simples fato de que, a sua finalidade habitual não é o favorecimento ao lenocínio, e sim o descanso.
ResponderExcluirJean Cerqueira Lima
5ª Semestre, Direito, Apoio.
Respondendo a pergunta se ser proprietário de Motel é crime:
ResponderExcluirSim, já que os motéis tem por finalidade oferecer um lugar para prática de atos libidinosos,o que não significa que estes sejam apenas utilizados para estes fins. Não há punição diante deste fator por conta do princípio da adequação social, afinal, as pessoas toleram essa conduta. Finalizo, deixando esse trecho interessante que encontrei durante uma pesquisa sobre o tema :"o fato de haver tolerância ou indiferença na repressão criminal não significa que a conduta não está tipificada no Código Penal."
Imaginemos duas pessoas que alugam apto para levarem seus amigos para farrearem. Lá é cobrado contribuições para a manutenção do imóvel. O crime estaria tipificado no artigo 229 do CP. Mas qual o bem jurídico a ser tutelado ? A moralidade pública foi afetada ? Considerando o princípio da lesividade e ou da adequação social, não condenaria essas duas pessoas. Portanto, o CP não pode ser o parâmetro a ser seguido; ele sim, é que deve seguir a sociedade.
ResponderExcluirDamu Majid
não...por se tratar de estabelecimento comercial, onde sua atividade principal não é a exploração sexual, se fomos partir desse pressuposto....alguns hotéis nos centros das cidades também incorreriam no mesmo delito.
ResponderExcluirNão, de acordo com artigo 229 CP visa-se impedir a manutenção e o desenvolvimento de locais destinados à prática do meretrício, pode-se dizer que o bem jurídico nele tutelado é o interesse da sociedade em que a vida sexual se dê de acordo com a moralidade pública, os bons costumes e a organização da família.
ResponderExcluirAtenta a isso, a tendência atual da doutrina tem sido interpretar restritivamente a expressão “lugar destinado a encontros para fim libidinoso”, enquadrando no conceito somente os locais destinados especificamente à prostituição. Excluem-se, pois, da tipificação os motéis e hotéis de alta rotatividade, cuja manutenção é dirigida a encontros libidinosos de casais em geral.
A principal atividade de um motel é oferecer tempo fracionado para descanso e não exploração sexual.
Cristina Prado - 5º semestre - Direito Penal IV
Enquanto a estabelecimento está servindo como hospedagem, não será crime.
ResponderExcluirCrime seria se o proprietário perdesse o foco e fizesse deste estabelecimento casa de prostituição, tipificado 229cp. Na verdade está havendo uma descriminalização deste art, a existência de tipos penais como o do art. 229 somente traz descrédito e desmoralização para a Justiça Penal Polícia, Ministério Público, Magistratura, pois que, embora sendo do conhecimento da população em geral que essas atividades são contrárias à lei, ainda assim o seu exercício é levado a efeito com propagandas em jornais, revistas, outdoors, até mesmo em televisão, e nada se faz para tentar coibi-lo.
Gustavo Santos
5º Semestre