“Pescar”
em provas de faculdade é crime?
Prof.
Milton Vasconcellos[1]
Com o advento da Lei 12.550/11,
alterou-se o Código Penal, em específico no seu Capítulo V no Título X, que
trata Dos crimes contra a fé pública, com a criação de um novo tipo penal, o
crime de “fraudes a certames de interesse público”.
De acordo com o texto normativo citado:
Art. 311-A. Utilizar
ou divulgar, indevidamente, com o fim de beneficiar a si ou a outrem, ou de
comprometer a credibilidade do certame, conteúdo sigiloso de:
I – Concurso Público;
II – avaliação ou exame públicos;
III – processo seletivo para ingresso no ensino
superior; ou
IV – exame ou processo seletivo previstos em lei:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
A conduta típica
portanto consubstancia um tipo penal alternativo, onde incrimina-se tanto a
utilização como a divulgação indevida de conteúdo sigiloso com a finalidade
específica de comprometer a credibilidade do certame. No decorrer do tipo, o
legislador enumera, nos quatro incisos que segue, as hipóteses de certame que
integram a conduta incriminadora. Destas
hipóteses destaca-se o inciso II, que indica a palavra “avaliação”,
oportunizando-se assim a indagação feita no título deste presente texto:
afinal, doravante “pescar” nas provas passou a ser crime?
A resposta para tal
questionamento, ao nosso sentir é possível a partir de um argumento
hermenêutico, para o qual apoia-se na conjugação de distintos métodos
interpretativos: o literal, o sistemático e o teleológico, além de algumas
regras de hermenêutica.
Valorando primeiro destes
métodos, a interpretação literal, permitir-se-á o início do trabalho exegético
a partir do significado da palavra “avaliação”.
Nesse sentido, estabelece
como significado semântico da palavra avaliação o dicionário Michaelis: “Ato de
avaliar, apreciação, cômputo, estimação; determinação do justo preço de
qualquer coisa alienável; valor de bens determinado por avaliadores.” (WEISZFLOG,
2010, p. 54)
Por um prisma
unicamente literal, percebe-se a insuficiência para alcançar a completude da
compreensão do texto normativo, motivo pelo qual obriga-se o intérprete a
avançar em sua construção hermenêutica, fazendo uso agora do método sistemático
de interpretação.
A partir da topologia
normativa do tipo penal em questão, tem aplicação a regra hermenêutica de que “a posição
do dispositivo no texto esclarece seu alcance” que consagra
nada mais é, no caso em tela, que a consagração da interpretação sistemática.
A partir deste
pensamento observa-se que o inciso segundo ora estudado é parte integrante do
que determina o caput do art. 311-A e
este, a seu turno, integra o Capítulo V do Código Penal intitulado: “Das
Fraudes em Certames de Interesse Público”.
Atento portanto à regra
já citada, observa-se que os textos normativos se integram, devendo suas partes
menores serem interpretadas de forma vinculadas ao valor maior a que estão
atreladas, motivo pelo qual a correta exegese do inciso II vincula-se ao valor
trazido pelo caput e este a seu turno ao título do Capítulo do texto normativo.
Em outros termos, a
palavra “avaliação” tem seu sentido complementado pela ideia trazida pelo caput
e este conjunto pelo título do Capítulo V. Assim deve-se compreender a
utilização ou divulgação de conteúdo sigiloso da avaliação com o fim de se
beneficiar ou beneficiar terceiros apenas aos certames de interesse público e
não todo e qualquer certame.
Ademais, destaque-se
que o citado inciso tem seu complemento com as palavras “ou exame públicos”,
destacando-se aqui o adjetivo “público” flexionado pelo legislador para o
plural, deixando inequívoca intenção de que tanto a palavra avaliação quanto a
palavra exame devem ser atreladas a este sentido, ou sejam, serem públicos.
Neste mesmo sentido,
ensina doutrina: [...] “trata-se de qualquer espécie de prova para testar
conhecimento, promovida pela Administração Pública ou entidade por ela
fiscalizada, com o fim de estabelecer padrões e graduações, necessários a
atingir alguma habilitação, licença ou alvará”. (NUCCI, 2012, p. 1142)
Por fim, o trabalho
exegético exige e é complementado pela utilização da interpretação teleológica,
aliada à regra hermenêutica de que “a lei não
contém frase ou palavra inútil, supérflua ou sem efeito”.
Para o caso em tela, o tipo penal traz um especial fim de agir que é expresso
pelo trecho do texto normativo referente ao “com o fim de beneficiar a si ou a outrem, ou de comprometer a
credibilidade do certame”. Tal circunstância integra o sentido do texto
normativo e vincula toda a interpretação.
Nesse sentido,
assumindo uma postura exegética teleológica, percebe-se que o especial fim de
agir disposto volta-se a uma dimensão maior pois a conduta praticada além de
beneficiar a si ou a outrem tem outro atributo finalístico: “comprometer o
certame”. Ou seja, a finalidade aqui verificada ultrapassa o aspecto subjetivo
de interesse voltado apenas ao indivíduo, para atingir um alcance muito maior
representado pelo complemento normativo “comprometimento de todo o certame”,
fato que, não pode ser desconsiderado pelo intérprete, afinal a lei não contém frase ou palavra inútil,
supérflua ou sem efeito.
Em síntese do argumento proposto, tem-se que a postura de fraudar uma
prova na faculdade (pescar) não se coaduna com o propósito sistemático,
tampouco teleológico do texto normativo, restando assim em
atenção ao questionamento proposto no título que oportuniza este texto, a
posição pela negativa, ou seja a conduta de fraudar provas de faculdade não
tipifica a conduta. Ademais, pena muito maior que a prisão é a posterior
constatação de que a “fraude” na prova sancionará o próprio futuro do estudante,
sanção esta que no caso dos Cursos de Direito não será a prisão, mas sim o
exame da OAB.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Decreto Lei 2.848 de 7 de
dezembro de 1940. Institui o Código de Penal. Lex: Coletânea de
Legislação e Jurisprudência, São Paulo, v. 48, jan./mar.,1. trim. 1985.
Legislação Federal e marginalia.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado.11ªed. Ed.
Revista dos Tribunais, 2012.
WEISZFLOG, Walter. Michaelis Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Ed.
Melhoramentos, 2010.
[1] Prof. Milton Vasconcellos é Advogado, Especialista em Direito Público (FABAC), Professor de Hermenêutica, Direito Tributário e Direito Penal da Faculdade Apoio Unifass.
Professor, gostei muito do texto... mas utilizando da própria hermenêutica, em uma interpretação sistemática do " interesse público ", não poderíamos considerar que a educação faz parte deste interesse ? David Cavalcante!!
ResponderExcluirSim.. mas não entendi a relação disto com o ato de "pescar". O que vc quis dizer?
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