segunda-feira, 9 de setembro de 2013

A HERMENÊUTICA RESPONDE - 07


“Pescar” em provas de faculdade é crime?


Prof. Milton Vasconcellos[1]

Com o advento da Lei 12.550/11, alterou-se o Código Penal, em específico no seu Capítulo V no Título X, que trata Dos crimes contra a fé pública, com a criação de um novo tipo penal, o crime de “fraudes a certames de interesse público”.

De acordo com o texto normativo citado:

Art. 311-A. Utilizar ou divulgar, indevidamente, com o fim de beneficiar a si ou a outrem, ou de comprometer a credibilidade do certame, conteúdo sigiloso de:
I – Concurso Público;
II – avaliação ou exame públicos;
III – processo seletivo para ingresso no ensino superior; ou
IV – exame ou processo seletivo previstos em lei:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

A conduta típica portanto consubstancia um tipo penal alternativo, onde incrimina-se tanto a utilização como a divulgação indevida de conteúdo sigiloso com a finalidade específica de comprometer a credibilidade do certame. No decorrer do tipo, o legislador enumera, nos quatro incisos que segue, as hipóteses de certame que integram a conduta incriminadora.  Destas hipóteses destaca-se o inciso II, que indica a palavra “avaliação”, oportunizando-se assim a indagação feita no título deste presente texto: afinal, doravante “pescar” nas provas passou a ser crime?

A resposta para tal questionamento, ao nosso sentir é possível a partir de um argumento hermenêutico, para o qual apoia-se na conjugação de distintos métodos interpretativos: o literal, o sistemático e o teleológico, além de algumas regras de hermenêutica.

Valorando primeiro destes métodos, a interpretação literal, permitir-se-á o início do trabalho exegético a partir do significado da palavra “avaliação”.

Nesse sentido, estabelece como significado semântico da palavra avaliação o dicionário Michaelis: “Ato de avaliar, apreciação, cômputo, estimação; determinação do justo preço de qualquer coisa alienável; valor de bens determinado por avaliadores.” (WEISZFLOG, 2010, p. 54)

Por um prisma unicamente literal, percebe-se a insuficiência para alcançar a completude da compreensão do texto normativo, motivo pelo qual obriga-se o intérprete a avançar em sua construção hermenêutica, fazendo uso agora do método sistemático de interpretação.

A partir da topologia normativa do tipo penal em questão, tem aplicação a regra hermenêutica de que “a posição do dispositivo no texto esclarece seu alcance” que consagra nada mais é, no caso em tela, que a consagração da interpretação sistemática.

A partir deste pensamento observa-se que o inciso segundo ora estudado é parte integrante do que determina o caput do art. 311-A e este, a seu turno, integra o Capítulo V do Código Penal intitulado: “Das Fraudes em Certames de Interesse Público”.

Atento portanto à regra já citada, observa-se que os textos normativos se integram, devendo suas partes menores serem interpretadas de forma vinculadas ao valor maior a que estão atreladas, motivo pelo qual a correta exegese do inciso II vincula-se ao valor trazido pelo caput e este a seu turno ao título do Capítulo do texto normativo.

Em outros termos, a palavra “avaliação” tem seu sentido complementado pela ideia trazida pelo caput e este conjunto pelo título do Capítulo V. Assim deve-se compreender a utilização ou divulgação de conteúdo sigiloso da avaliação com o fim de se beneficiar ou beneficiar terceiros apenas aos certames de interesse público e não todo e qualquer certame.

Ademais, destaque-se que o citado inciso tem seu complemento com as palavras “ou exame públicos”, destacando-se aqui o adjetivo “público” flexionado pelo legislador para o plural, deixando inequívoca intenção de que tanto a palavra avaliação quanto a palavra exame devem ser atreladas a este sentido, ou sejam, serem públicos.

Neste mesmo sentido, ensina doutrina: [...] “trata-se de qualquer espécie de prova para testar conhecimento, promovida pela Administração Pública ou entidade por ela fiscalizada, com o fim de estabelecer padrões e graduações, necessários a atingir alguma habilitação, licença ou alvará”. (NUCCI, 2012, p. 1142)

Por fim, o trabalho exegético exige e é complementado pela utilização da interpretação teleológica, aliada à regra hermenêutica de que “a lei não contém frase ou palavra inútil, supérflua ou sem efeito”. Para o caso em tela, o tipo penal traz um especial fim de agir que é expresso pelo trecho do texto normativo referente ao “com o fim de beneficiar a si ou a outrem, ou de comprometer a credibilidade do certame”. Tal circunstância integra o sentido do texto normativo e vincula toda a interpretação.

Nesse sentido, assumindo uma postura exegética teleológica, percebe-se que o especial fim de agir disposto volta-se a uma dimensão maior pois a conduta praticada além de beneficiar a si ou a outrem tem outro atributo finalístico: “comprometer o certame”. Ou seja, a finalidade aqui verificada ultrapassa o aspecto subjetivo de interesse voltado apenas ao indivíduo, para atingir um alcance muito maior representado pelo complemento normativo “comprometimento de todo o certame”, fato que, não pode ser desconsiderado pelo intérprete, afinal a lei não contém frase ou palavra inútil, supérflua ou sem efeito.


Em síntese do argumento proposto, tem-se que a postura de fraudar uma prova na faculdade (pescar) não se coaduna com o propósito sistemático, tampouco teleológico do texto normativo, restando assim em atenção ao questionamento proposto no título que oportuniza este texto, a posição pela negativa, ou seja a conduta de fraudar provas de faculdade não tipifica a conduta. Ademais, pena muito maior que a prisão é a posterior constatação de que a “fraude” na prova sancionará o próprio futuro do estudante, sanção esta que no caso dos Cursos de Direito não será a prisão, mas sim o exame da OAB.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Decreto Lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Institui o Código de Penal. Lex: Coletânea de Legislação e Jurisprudência, São Paulo, v. 48, jan./mar.,1. trim. 1985. Legislação Federal e marginalia.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado.11ªed. Ed. Revista dos Tribunais, 2012.

WEISZFLOG, Walter. Michaelis Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Ed. Melhoramentos, 2010.




[1] Prof. Milton Vasconcellos é Advogado, Especialista em Direito Público (FABAC), Professor de Hermenêutica, Direito Tributário e Direito Penal da Faculdade Apoio Unifass.

2 comentários:

  1. Professor, gostei muito do texto... mas utilizando da própria hermenêutica, em uma interpretação sistemática do " interesse público ", não poderíamos considerar que a educação faz parte deste interesse ? David Cavalcante!!

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    1. Sim.. mas não entendi a relação disto com o ato de "pescar". O que vc quis dizer?

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