Os Novos contornos da Família contemporânea[1]
Clever
Jatobá[2]
A família
como primeiro ambiente doméstico e afetivo no qual a pessoa se encontra
inserida desde os primórdios dos tempos tem figurado como base estruturante da
sociedade. Ocorre, porém, que seu conceito tem vivido em plena ebulição,
sofrendo transformações ao longo da história, ajustando as tradições e costumes
às transformações culturais e sociais redesenhadas no tempo.
No âmbito
jurídico, as transformações se encontram alicerçadas diante dos novos
paradigmas constitucionais, edificados a partir do texto do Art. 226 da
Constituição Federal Brasileira, que determina que “a família, base da
sociedade, merece especial proteção do Estado”.
Ao
garantir a proteção à família – e não mais apenas ao casamento – a Carta Magna
Brasileira estabeleceu o “Princípio da Pluralidade das Entidades Familiares”,
retirando do casamento a hegemonia de ser a única forma de se constituir
família, permitindo o surgimento de outras entidades familiares. Assim, de
forma exemplificativa, o texto constitucional elencou além do casamento mais
duas entidades familiares: a união estável e a família monoparental.
Nestes moldes a família abraçou a pluralidade, pois, conforme leciona Paulo Lôbo[3], o rol constitucional é exemplificativo e não se restringe ao numerus clausus, permitindo que surjam quantos arranjos familiares a criatividade humana possa conceber diante da intenção de se constituir família estruturada pelo afeto.
Neste
contexto, o casamento se mantém como
modalidade de família edificada em acordo com as solenidades legais
disciplinadas diante de três aspectos, quais sejam: a habilitação, celebração e
registro.
Para além
do matrimônio fora reconhecida como entidade familiar pelo § 3º do Art.226 da
CF-88 união estável entre homem e mulher, devendo a lei facilitar sua
conversão em casamento. Trata-se do agrupamento familiar de fato, constituído
fora das solenidades do casamento, edificado no convívio público, contínuo e
duradouro entre homem e mulher, estabelecido com o intuito de constituir
família.
No âmbito
da parentalidade, por sua vez, a Constituição Federal concebeu também como
família a comunidade formada por qualquer dos pais e os seus filhos. Diante da
relação de uniparentalidade de 1º grau que vincula apenas qualquer dos pais aos
seus filhos, a doutrina tratou de chamar esta constituição familiar de família
monoparental.
Ocorre
que, diante dos novos paradigmas do Direito, o fundamento da família passou a
repousar sobre o afeto e na busca da realização pessoal dos seus membros,
valorizando a dignidade de cada um deles, concebendo uma igualdade substancial
ao casal, aos filhos e a todos que integram este ambiente doméstico e familiar.
Família,
portanto, tornou-se uma comunidade de entreajuda, fundada no afeto, que busca
promover o desenvolvimento da personalidade e das potencialidades de seus
membros, sempre na direção da felicidade.
Assim,
com o alicerce no afeto, na igualdade e na dignidade da pessoa humana, a
família torna-se gênero que alberga inúmeras espécies. Além do casamento, da
união estável e da família monoparental, sob a égide do princípio da
pluralidade das entidades familiares, para além do rol exemplificativo do texto
constitucional, podemos conceber a família extensa ou ampliada, as famílias
homoafetivas; as famílias recompostas ou reconstituídas e a família multiparental.
Diante da
compreensão social da família pelo viés da parentalidade o direito brasileiro
reconheceu a importância da família extensa ou ampliada, disciplinada
expressamente pelo ECA. Trata-se da ampliação do conceito de família,
transcendendo à estrutura nuclear formado por pai, mãe e filhos, para albergar
os parentes próximos, com os quais a criança ou adolescente tenham estabelecido
um vínculo de afinidade e afetividade.
Fundada
na preservação da dignidade humana, bem como amparado pelos princípios da
igualdade e do não preconceito, bem como sob o alicerce afetivo próprio à
edificação familiar, o judiciário brasileiro reconheceu a família
homoafetiva. Esta consiste na entidade familiar, que estabelece uma
comunhão de vida por meio de um convívio público, contínuo e duradouro, com
alicerces sólidos no afeto, mas estabelecido por pessoas do mesmo sexo. No
contexto atual, a família homoafetiva pode ser concebida em duas espécies,
quais sejam: as uniões homoafetivas e os casamentos homoafetivos (ou
igualitários).
Com o
julgamento da ADI n.º 132/RJ e ADPF n.º 4.277/DF pelo STF – Supremo Tribunal
Federal – fora reconhecida como entidade familiar as uniões homoafetivas como
família de fato, estabelecida na convivência típica de família por pessoas do
mesmo sexo, sobre as quais, diante da ausência de regramento legal próprio,
aplica-se, por analogia, as regras correspondentes à união estável.
Por sua
vez, coube ao STJ – Superior Tribunal de Justiça – o reconhecimento do direito
ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, que a partir do RESP n.º1.183.378-RS
(2010/0036663-8), decidiu sobre a inexistência de impedimento matrimonial
disciplinado pelo ordenamento jurídico brasileiro que obstasse o casamento
entre os pares homoafetivos. A partir de então, os Tribunais de Justiça pelo
país à fora passaram a editar provimentos que permitissem a habilitação para o
casamento, independente do sexo dos nubentes. Chancelando estes provimentos, o
CNJ – Conselho Nacional de Justiça – editou a Resolução nº 175,
de 14 de maio de 2013, autorizando de uma vez por todas o casamento entre
pessoas do mesmo sexo, tanto por habilitação direta, quanto por conversão da
união homoafetiva em casamento.
Por sua
vez, a maior ebulição da família contemporânea ocorre diante das famílias
recompostas ou reconstituídas. Consiste na ideia de se conceber
juridicidade à relação familiar firmada por pessoas que já tiveram outra
família, e que, trazendo filho(s) de relações anteriores, buscam reconstruir
suas vidas em outro ambiente familiar. Como nesta realidade as pessoas se unem trazendo
consigo filho(s) de relacionamentos anteriores, o convívio entre padrastos ou
madrastas e seus enteados desenha este novo agrupamento familiar.
Uma vez
que destes arranjos familiares estabelecem-se laços afetivos entre padrastos ou
madrastas e seus enteados, bem como entre os enteados e os filho(s) do seu
padrasto ou madrasta, tal situação passa a reclamar uma tessitura legal própria
que ampare novos direitos e até uma nova compreensão dos laços de parentesco
por afinidade.
Outro
grande avanço da construção familiar repousa na possibilidade de se valorizar a
filiação socioafetiva em pé de igualdade com a filiação biológica, onde os
filhos de criação passam a ter seus direitos reconhecidos tanto quanto os
biológicos. Bem, levando-se em conta que um vínculo não exclui o outro, a
possibilidade de que tais filiações coexistam no mesmo registro de nascimento
edifica a concepção da família multiparental
como mais uma modalidade de família a ser protegida.
Pois bem,
no mundo multifacetário, globalizado e fundado na diversidade infinita de
hábitos, culturas, raças, sexo, religiões e cores, temos que uma sociedade
plural e igualitária que preserve a dignidade da pessoa humana, precisa ser
construída no cotidiano, mas devidamente agasalhada pelo direito.
Este é o
nosso objeto de estudos que chega agora às mãos dos juristas, estudantes e
profissionais, através do livro que em outubro de 2015 acabamos de lançar com o
título Pluralidade das Entidades
Familiares: Os novos contornos da família contemporânea brasileira.
[1] O presente texto faz reflexões
sobre o teor do livro “Pluralidade das Entidades familiares”, de Clever Jatobá,
lançado pela editora PUBLIT, em outubro de 2015, que está sendo comercializado
em eventos, com preço promocional de R$50,00.
[2] Clever Jatobá é Advogado e
consultor jurídico baiano. Mestre em Família na Sociedade Contemporânea pela
UCSAL. Professor e Coordenador do Curso de Direito da Faculdade Apoio Unifass
(Lauro de Freitas-Ba) e Professor da Faculdade Ruy Barbosa (Salvador-Ba).
E-mail: cleverjatoba@yahoo.com.br
[3] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades
Familiares Constitucionalizadas: para Além do numerus Clausus. In: Farias:
Cristiano Chaves de. (Coord). Temas Atuais de Direito e Processo de Família.
Rio de Janeiro: Lúmen Juiris, 20004.
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ResponderExcluirParabéns professor Cléber jatobá pelo excelente livro muito bom
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