Prof. Milton Vasconcellos[1]
Uma cena inusitada chamou a atenção de motoristas que
passavam por uma rodovia movimentada em Chicago, Estados Unidos, onde todos que
passavam deparavam com o quadro: um motorista fazendo sexo com uma mulher
enquanto dirigia.
Abstraindo-se aqui todas as valorações morais quanto ao fato,
bem com quaisquer ironias acercada destreza do condutor e considerando-se este
um fato jurídico, a cena permite uma abordagem fecunda da Hermenêutica aplicada
ao direito Penal nas conjecturas que segue:
A postura interpretativa diante do fato com vistas ao
enquadramento numa conduta tipificada como crime chama-se subsunção, termo este
que permite formas derivadas tais como “tipificação”, “exegese subsuntiva”, dentre
outras, todas expressando uma mesma ideia aproximada: a conduta vista na foto,
enquadra-se aos tipos penais conhecidos?
Ou seja, considerando a foto acima seria possível afirmar que
há contravenção penal de direção perigosa, crime de trânsito (ambos portanto
tipos penais voltado ao trânsito) ou o crime de ato obsceno (tipo penal voltado
a tutela da dignidade sexual)?
Para responder tal
questão, mostra-se necessário antes conhecer os modelos penais de que se trata.
Nesse sentido cita-se o art. 34 da Lei de contravenções Penais:
Art. 34. Dirigir veículos na via pública,
ou embarcações em águas públicas, pondo em perigo a segurança alheia:
Pena – prisão simples, de quinze das a
três meses, ou multa, de trezentos mil réis a dois contos de réis.
O art. 309, CTB
Art. 309.
Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir
ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de
dano:
Pena -
detenção, de seis meses a um ano, ou multa
O art. 233, CP
Art. 233 - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou
exposto ao público:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
Para que não se dependa tanto do subjetivismo do
cognoscente (ser que intepreta), a Hermenêutica apresenta algumas regras de
forma a tentar compreender este processo de interpretação, resultando daí a
principal diferença entre interpretação e Hermenêutica. Interpretação é pois,
processo subjetivo, trabalho exegético que busca definir o alcance e o sentido
do texto normativo, levando-se em conta os valores e interesses do intérprete[2],
a Hermenêutica, a seu turno, buscará o estudo desse processo interpretativo,
tendo portanto um caráter objetivo, afastando-se assim dessa parcialidade
inerente à interpretação, oferecendo dessa forma algumas ferramentas para que
se extraia do processo cognitivo uma interpretação “mais correta” menos
dependente do subjetivismo do cognoscente.
A partir portanto de um trabalho de Hermenêutica aplicada
ao direito penal, dos dois primeiros tipos penais citados (contravenção penal
do art.34 e crime de direção perigosa do art. 309, CTB), identifica-se como bem
jurídico tutelado a incolumidade pública, cuja noção expressa o complexo de condições, garantidas pela ordem
jurídica, necessárias para a segurança da vida, da integridade pessoal e da
saúde, independentemente da sua relação a determinadas pessoas.
O segundo tipo penal citado, a seu turno (crime de ato
obsceno do art. 233, CP), tem como bem jurídico tutelado o pudor público, sendo
este considerado a moral média da sociedade no que diz respeito aos
comportamentos sexuais. (GRECO, 2006, p. 668)
Ao posicionar-se para responder esta pergunta, o leitor
(ora intérprete), fará uso de seus valores pessoais e interesses para alcançar
o resultado interpretativo, nesse caso uma tipificação penal.
Instaura-se então a dúvida prima facie não restam dúvidas de que a conduta expressa em
proporções devidas as duas condutas citadas, estaria então o fato narrado mais
próximo de subsunção da contravenção penal do art. 34 da LCP (haja vista que, nestas
condições muito provavelmente o condutor do veículo desenvolveria uma condução
perigosa expondo assim a perigo a segurança alheia). Ou a subsunção levaria em
conta o óbvio: o ato sexual praticado pelo casal em pleno lugar público, tipificando
assim o art. 233, CP? Ou para o desvalor
da conduta iria prevalecer para fins de tipificação penal a conduta sexual do
condutor, ao fazer sexo em um local público?
Numa perspectiva do direito Penal, para responder tal
questionamento, há de se levar em conta o elemento subjetivo da conduta (intenção),
bem como o bem jurídico tutelado. Nestes termos, buscar a compreensão do bem
jurídico tuteado equivale a uma interpretação sistemática na medida em que a
valoração do tipo penal levará em conta o capítulo em que está inserido, por
outro lado, considerar o elemento subjetivo da conduta equivale a fazer uma
interpretação teleológica, eis pois a hermenêutica aplicada!
Interpretação teleológica expressa a exegese finalística, o
trabalho de interpretação do texto normativo visando alcançar a finalidade buscada
pelo texto de lei. Há de se considerar portanto: valorando a foto em si é
possível concluir que o agente teve intenção (dolo) de dirigir de forma
perigosa? Ou (este resultado é derivado da imprudência do agente), remetendo
portanto à culpa (ou um eventual dolo eventual)?
Ocorre contudo que não existe forma culposa destes dois tipos
penais citados, ensejando assim novo questionamento: Haveria portanto uma
atipicidade penal? A atipicidade penal seria uma nova postura interpretativa,
levando em conta assim outros interesses.
Dessa forma qualquer que seja o trabalho de interpretação e
subsunção feito levará por certo em conta os interesses daquele que se propõe a
fazê-lo, alcançando-se então os seguintes termos:
a) Se o exegeta é advogado de defesa do aludido condutor, por
certo sua interpretação dos fatos levará à atipicidade (melhor resultado ao seu
cliente)
b) Se o exegeta é membro do ministério Público, a interpretação
levará à subsunção e quaisquer dos tipos penais, afastando-se assim a tese da atipicidade
(melhor resultado para seus fins institucionais de proteção do interesse
público)
O que importa e interessa ao final desta breve
abordagem é a percepção de que a postura de tipificação penal, bem como
quaisquer outras posturas de decisão jurídica (a escolha de uma fundamentação
jurídica pelo advogado, o acolhimento desta tese e não outra pelo Juiz, a opção
por estudar por este ou aquele autor), são posturas a priori pessoais, que partem portanto do subjetivismo de quem
interpreta, seus valores e interesses.
Restará assim sua percepção sobre qual é a função
do direito para você: se um simples conjunto de regras para solução da vida em
sociedade, bem vindo à escola positivista, cuja interpretação literal bastará para
que se alcance o resultado da interpretação, o que te levará provavelmente a um
resultado de que o agente responde em concurso de crime por todos os tipos
penais citados, afinal sua conduta se encaixa e todos tipos citados. Se por
outro lado, sua percepção sobre o direito ultrapassa o formalismo e alcança uma
compreensão deste como instrumento de justiça, certamente o resultado interpretativo,
levará em conta todos os instrumentos da Hermenêutica de forma a não se
depender tanto do subjetivismo cognoscível, o que pode levar a qualquer das
tipificações aqui propostas, inclusive a de atipicidade penal, desde que tal
conclusão seja acompanhada dos fundamentos aceitos pelo direito penal.
REFERÊNCIA
GRECO, Rogério. 2006.
Prof.Milton,
ResponderExcluirApesar de muito inusitada cena, há que nos valermos de outros meios para que cheguemos a uma interpretação mais verossímel, todavia pela análise da foto e dos descritos até então, chego a conclusão de que embora interpretação "literal" dos artigos, o referido rapaz incorreu sim na conduta de direção perigosa, partindo do pressuposto de que tanto ele, quanto aos demais veículos que o ultrapassavam, tinham sua atenção voltada para o evento casuístico. Ademais o choque das pessoas que os viam em via pública e percebiam o referido acontecimento, poderiam sim gerar um acidente de trânsito sem o dolo.
Professor,
ResponderExcluirAcredito se aproximar mais da Contravenção Penal Art. 34, já que o citado artigo se refere a dirigir veículos na via pública (...), pondo em perigo a segurança alheia.
Na parte geral do LCP diz que: Art . 1º Aplicam-se às contravenções as regras gerais do Código Penal, sempre que a presente Lei não disponha de modo diverso (que se aplica neste caso).
Cristina Prado - 5º Semestre - Direito Penal IV
Contravenção penal, Crime de trânsito ou Crime contra a dignidade sexual?
ResponderExcluirProf. Milton Vasconcellos
Acredito que neste caso é contravenção penal, pois a mesma é considerada de menor gravidade que o crime, sendo deste modo de acordo com a análise da foto podemos dizer que o motorista gera riscos evidente para outras pessoas ao dirigir sem atenção no trânsito (praticando sexo).
Vera Lúcia Jesus de Oliveira Rodrigues- 5º Semestre de Direito.
Profº Milton
ResponderExcluirAcredito também que neste caso enquadra-se contravenção penal tendo em vista que a infração é de menor gravidade. Visualizando a ilustrativa foto podemos dizer sem duvida alguma que o motorista assume o risco e que age inconsequentemente, pondo em perigo a vida de outras pessoas art.34 lei de contravenções penais.
Creio que além da qcitação da aluna Teresa Critina, eles poderia ser enquadrados ainda no art. 233, CP - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.Se o carro estivesse parado num local escuro, de difícil acesso e longe dos olhos curiosos, creio que não haveria crime algum.
ResponderExcluirObservando as interpretações doutrinárias, vejo que o crime a ser enquadrado será do Art. 233, CP. Além do enquadramento perante a direção perigosa, que trata de um crime de transito.
ResponderExcluirJean Cerqueira Lima
Faculdade Apoio
5º Semstre, Direito
Em virtude dos fatos mencionados no texto acima, acredito incidir o concurso formal de crimes, já que com apenas uma ação (praticar atos sexuais enquanto dirige), são praticados dois crimes, o tipificado no art.233 CP, pelo fato de fazerem sexo em local público e também o crime do art. 34 da lei de Contravenções Penais por colocar em risco a segurança de outrem e deles mesmos por consequência.
ResponderExcluirRita Amorim
ResponderExcluirConcordo que se enquadra no concurso formal de crimes, pois podemos combinar o art.34 da lei de contravenções penais com o art.233 do código penal. O motorista conduzia o veículo em via pública, pondo em risco a segurança de outras pessoas; ao mesmo tempo em que praticava ato obsceno,tambem em via publica.
Até queria combinar os arts. 233 e o 34 CP, para caracterizar o concurso formal. De fato o agente estar dirigindo veículos em via pública , mas praticar atos obsceno em lugar público, me deixar a duvidar porque o interior de seu veiculo é lugar público?
ResponderExcluirEntão nessa duvida tipificaria a contravenção do fato.
Gustavo Santos
5º Semestre de Direito
Ivana Souza.
ResponderExcluirAnalisando o caso concreto, acredito este tratar-se de contravenção penal conforme prevê o art 34 desta lei, haja vista que ao dirigir em via pública de forma inadequada esta o condutor assumindo o risco de provocar lesões em si e em outrem uma vez que suas habilidade de condução e habilidades de reflexão estarão limitadas haja vista a sua atividade cerebral está condicionada com mais precisão para a outra ação no caso o ato sexual. Cabendo tambem o art 233 do CP uma vez que este ato se dá em local público (via pública) e de forma exposta ao público o que cobe ser corroborado através da fotografia que se anexa ao texto. Contudo achedito não haver crime contra a dignidade sexual, uma vez que a relação é consensual e não tipificada nos crimes contra a dignidade sexual, mas sim de atentado ao pudor.
Professor Milton, boa noite!
ResponderExcluirCom base no que foi mencionado no texto supracitado, entendo incidir sobre o caso o Art. 34. “Dirigir veículos na via pública, ou embarcações em águas públicas, pondo em perigo a segurança alheia” tendo em vista que ao dirigir seu veiculo praticando ato sexual o mesmo não está somente colocando em risco a segurança própria como também de demais pessoa, e acredito também incidir o Art. 233 – “Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público”, posto que, o mencionado artigo deixa muito claro que praticar ato obsceno em lugar publica ou aberto é crime.
Desirée Weyll
5º Semestre
Contravenção penal, Crime de trânsito ou Crime contra a dignidade sexual?
ResponderExcluirDiante do caso concreto, parece ser mais viável a aplicação do art. 34 da lei de contravenção penal que traz as consequências para quem dirige veículos na via pública, pondo em perigo a segurança alheia. Entretanto, não há diferença significativa entre crimes e contravenções, considerando que as duas espécies caracterizam ilícitos penais, apontando, a doutrina, como diferença entre ambas, a gravidade (ou quantidade de pena, conforme se depreende da exposição de motivos do Código Penal).
Ednaldo Rosa Alves
Entendo que, neste caso, baseado na foto, é o que temos, o motorista só tinha intenção de fazer amor, o que é natural de todo animal, racional ou não. Não vejo tipificação no código penal pois ele não estava em lugar público e sim dentro do seu carro. Também não percebo o risco para terceiro. Portanto, afasto o CP e transfiro tudo para apenas uma multa administrativa como se ele estivesse dirigindo de sandália. Sonho que um dia não pensaremos mais em código penal e sim em multas administrativas. Damu Majid.
ResponderExcluirO criem á baila é contra a dignidade sexual. O art. 233 do CP é claro quanto a conduta descrita no caso olvida-se como a luva á mão, portanto o crime é contra a dignidade sexual.
ResponderExcluirO direito explica com maior clareza, a importância do CONEXÃO quando se trata da responsabilidade civil, entendemos que em um acidente de transito, o mais importante o que originou o acontecimento ao fato do outros envolvidos terem ou não a capacidade de conduzir o veículo (CNH, bebida e etc.). O que é mais importante neste nesta lide? O trauma de ver um casal copulando em um automóvel em movimento, coisa que a televisão e a internet exibem continuamente ou o risco de um acidente por imprudência? Qual o elo que envolve maior risco a sociedade? A conduta criminosa tipificada aduz que o ato deposita em risco a vida mais do que a moral.
ResponderExcluir