segunda-feira, 7 de outubro de 2013

A HERMENÊUTICA RESPONDE - 09

Contravenção penal, Crime de trânsito ou Crime contra a dignidade sexual?
Prof. Milton Vasconcellos[1]
Uma cena inusitada chamou a atenção de motoristas que passavam por uma rodovia movimentada em Chicago, Estados Unidos, onde todos que passavam deparavam com o quadro: um motorista fazendo sexo com uma mulher enquanto dirigia.

Abstraindo-se aqui todas as valorações morais quanto ao fato, bem com quaisquer ironias acercada destreza do condutor e considerando-se este um fato jurídico, a cena permite uma abordagem fecunda da Hermenêutica aplicada ao direito Penal nas conjecturas que segue:


A postura interpretativa diante do fato com vistas ao enquadramento numa conduta tipificada como crime chama-se subsunção, termo este que permite formas derivadas tais como “tipificação”, “exegese subsuntiva”, dentre outras, todas expressando uma mesma ideia aproximada: a conduta vista na foto, enquadra-se aos tipos penais conhecidos?

Ou seja, considerando a foto acima seria possível afirmar que há contravenção penal de direção perigosa, crime de trânsito (ambos portanto tipos penais voltado ao trânsito) ou o crime de ato obsceno (tipo penal voltado a tutela da dignidade sexual)?


Para responder tal questão, mostra-se necessário antes conhecer os modelos penais de que se trata. Nesse sentido cita-se o art. 34 da Lei de contravenções Penais:

Art. 34. Dirigir veículos na via pública, ou embarcações em águas públicas, pondo em perigo a segurança alheia:
Pena – prisão simples, de quinze das a três meses, ou multa, de trezentos mil réis a dois contos de réis.

O art. 309, CTB

Art. 309. Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano:
Pena - detenção, de seis meses a um ano, ou multa

O art. 233, CP

Art. 233 - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.

Para que não se dependa tanto do subjetivismo do cognoscente (ser que intepreta), a Hermenêutica apresenta algumas regras de forma a tentar compreender este processo de interpretação, resultando daí a principal diferença entre interpretação e Hermenêutica. Interpretação é pois, processo subjetivo, trabalho exegético que busca definir o alcance e o sentido do texto normativo, levando-se em conta os valores e interesses do intérprete[2], a Hermenêutica, a seu turno, buscará o estudo desse processo interpretativo, tendo portanto um caráter objetivo, afastando-se assim dessa parcialidade inerente à interpretação, oferecendo dessa forma algumas ferramentas para que se extraia do processo cognitivo uma interpretação “mais correta” menos dependente do subjetivismo do cognoscente.

A partir portanto de um trabalho de Hermenêutica aplicada ao direito penal, dos dois primeiros tipos penais citados (contravenção penal do art.34 e crime de direção perigosa do art. 309, CTB), identifica-se como bem jurídico tutelado a incolumidade pública, cuja noção expressa o  complexo de condições, garantidas pela ordem jurídica, necessárias para a segurança da vida, da integridade pessoal e da saúde, independentemente da sua relação a determinadas pessoas.

O segundo tipo penal citado, a seu turno (crime de ato obsceno do art. 233, CP), tem como bem jurídico tutelado o pudor público, sendo este considerado a moral média da sociedade no que diz respeito aos comportamentos sexuais. (GRECO, 2006, p. 668)

Ao posicionar-se para responder esta pergunta, o leitor (ora intérprete), fará uso de seus valores pessoais e interesses para alcançar o resultado interpretativo, nesse caso uma tipificação penal.

Instaura-se então a dúvida prima facie não restam dúvidas de que a conduta expressa em proporções devidas as duas condutas citadas, estaria então o fato narrado mais próximo de subsunção da contravenção penal do art. 34 da LCP (haja vista que, nestas condições muito provavelmente o condutor do veículo desenvolveria uma condução perigosa expondo assim a perigo a segurança alheia). Ou a subsunção levaria em conta o óbvio: o ato sexual praticado pelo casal em pleno lugar público, tipificando assim o art. 233, CP?  Ou para o desvalor da conduta iria prevalecer para fins de tipificação penal a conduta sexual do condutor, ao fazer sexo em um local público?

Numa perspectiva do direito Penal, para responder tal questionamento, há de se levar em conta o elemento subjetivo da conduta (intenção), bem como o bem jurídico tutelado. Nestes termos, buscar a compreensão do bem jurídico tuteado equivale a uma interpretação sistemática na medida em que a valoração do tipo penal levará em conta o capítulo em que está inserido, por outro lado, considerar o elemento subjetivo da conduta equivale a fazer uma interpretação teleológica, eis pois a hermenêutica aplicada!

Interpretação teleológica expressa a exegese finalística, o trabalho de interpretação do texto normativo visando alcançar a finalidade buscada pelo texto de lei. Há de se considerar portanto: valorando a foto em si é possível concluir que o agente teve intenção (dolo) de dirigir de forma perigosa? Ou (este resultado é derivado da imprudência do agente), remetendo portanto à culpa (ou um eventual dolo eventual)?

Ocorre contudo que não existe forma culposa destes dois tipos penais citados, ensejando assim novo questionamento: Haveria portanto uma atipicidade penal? A atipicidade penal seria uma nova postura interpretativa, levando em conta assim outros interesses.

Dessa forma qualquer que seja o trabalho de interpretação e subsunção feito levará por certo em conta os interesses daquele que se propõe a fazê-lo, alcançando-se então os seguintes termos:

a)      Se o exegeta é advogado de defesa do aludido condutor, por certo sua interpretação dos fatos levará à atipicidade (melhor resultado ao seu cliente)

b)      Se o exegeta é membro do ministério Público, a interpretação levará à subsunção e quaisquer dos tipos penais, afastando-se assim a tese da atipicidade (melhor resultado para seus fins institucionais de proteção do interesse público)
Há ainda, uma quarta possibilidade de compreensão exegética, a de que o agente praticou ambos crimes, incorrendo portanto nas regras de concurso de crimes (formal ou material) consoante disposições do Código Penal, cujos pormenores não são pertinentes aqui.

O que importa e interessa ao final desta breve abordagem é a percepção de que a postura de tipificação penal, bem como quaisquer outras posturas de decisão jurídica (a escolha de uma fundamentação jurídica pelo advogado, o acolhimento desta tese e não outra pelo Juiz, a opção por estudar por este ou aquele autor), são posturas a priori pessoais, que partem portanto do subjetivismo de quem interpreta, seus valores e interesses.
Restará assim sua percepção sobre qual é a função do direito para você: se um simples conjunto de regras para solução da vida em sociedade, bem vindo à escola positivista, cuja interpretação literal bastará para que se alcance o resultado da interpretação, o que te levará provavelmente a um resultado de que o agente responde em concurso de crime por todos os tipos penais citados, afinal sua conduta se encaixa e todos tipos citados. Se por outro lado, sua percepção sobre o direito ultrapassa o formalismo e alcança uma compreensão deste como instrumento de justiça, certamente o resultado interpretativo, levará em conta todos os instrumentos da Hermenêutica de forma a não se depender tanto do subjetivismo cognoscível, o que pode levar a qualquer das tipificações aqui propostas, inclusive a de atipicidade penal, desde que tal conclusão seja acompanhada dos fundamentos aceitos pelo direito penal.
REFERÊNCIA
GRECO, Rogério. 2006.




[1] Prof. Milton Vasconcellos é Advogado,  Especialista em Direito Público (FABAC), Professor de Hermenêutica, Direito Tributário e Direito Penal da Faculdade Apoio Unifass. 
[2] Em direito por exemplo, o advogado sempre buscará interpretar a lei levando-se em conta os interesses de seu cliente.

15 comentários:

  1. Prof.Milton,
    Apesar de muito inusitada cena, há que nos valermos de outros meios para que cheguemos a uma interpretação mais verossímel, todavia pela análise da foto e dos descritos até então, chego a conclusão de que embora interpretação "literal" dos artigos, o referido rapaz incorreu sim na conduta de direção perigosa, partindo do pressuposto de que tanto ele, quanto aos demais veículos que o ultrapassavam, tinham sua atenção voltada para o evento casuístico. Ademais o choque das pessoas que os viam em via pública e percebiam o referido acontecimento, poderiam sim gerar um acidente de trânsito sem o dolo.

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  2. Professor,
    Acredito se aproximar mais da Contravenção Penal Art. 34, já que o citado artigo se refere a dirigir veículos na via pública (...), pondo em perigo a segurança alheia.
    Na parte geral do LCP diz que: Art . 1º Aplicam-se às contravenções as regras gerais do Código Penal, sempre que a presente Lei não disponha de modo diverso (que se aplica neste caso).

    Cristina Prado - 5º Semestre - Direito Penal IV

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  3. Contravenção penal, Crime de trânsito ou Crime contra a dignidade sexual?
    Prof. Milton Vasconcellos

    Acredito que neste caso é contravenção penal, pois a mesma é considerada de menor gravidade que o crime, sendo deste modo de acordo com a análise da foto podemos dizer que o motorista gera riscos evidente para outras pessoas ao dirigir sem atenção no trânsito (praticando sexo).

    Vera Lúcia Jesus de Oliveira Rodrigues- 5º Semestre de Direito.

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  4. Profº Milton

    Acredito também que neste caso enquadra-se contravenção penal tendo em vista que a infração é de menor gravidade. Visualizando a ilustrativa foto podemos dizer sem duvida alguma que o motorista assume o risco e que age inconsequentemente, pondo em perigo a vida de outras pessoas art.34 lei de contravenções penais.

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  5. Creio que além da qcitação da aluna Teresa Critina, eles poderia ser enquadrados ainda no art. 233, CP - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.Se o carro estivesse parado num local escuro, de difícil acesso e longe dos olhos curiosos, creio que não haveria crime algum.

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  6. Observando as interpretações doutrinárias, vejo que o crime a ser enquadrado será do Art. 233, CP. Além do enquadramento perante a direção perigosa, que trata de um crime de transito.

    Jean Cerqueira Lima
    Faculdade Apoio
    5º Semstre, Direito

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  7. Em virtude dos fatos mencionados no texto acima, acredito incidir o concurso formal de crimes, já que com apenas uma ação (praticar atos sexuais enquanto dirige), são praticados dois crimes, o tipificado no art.233 CP, pelo fato de fazerem sexo em local público e também o crime do art. 34 da lei de Contravenções Penais por colocar em risco a segurança de outrem e deles mesmos por consequência.

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  8. Rita Amorim
    Concordo que se enquadra no concurso formal de crimes, pois podemos combinar o art.34 da lei de contravenções penais com o art.233 do código penal. O motorista conduzia o veículo em via pública, pondo em risco a segurança de outras pessoas; ao mesmo tempo em que praticava ato obsceno,tambem em via publica.

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  9. Até queria combinar os arts. 233 e o 34 CP, para caracterizar o concurso formal. De fato o agente estar dirigindo veículos em via pública , mas praticar atos obsceno em lugar público, me deixar a duvidar porque o interior de seu veiculo é lugar público?

    Então nessa duvida tipificaria a contravenção do fato.

    Gustavo Santos
    5º Semestre de Direito

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  10. Ivana Souza.
    Analisando o caso concreto, acredito este tratar-se de contravenção penal conforme prevê o art 34 desta lei, haja vista que ao dirigir em via pública de forma inadequada esta o condutor assumindo o risco de provocar lesões em si e em outrem uma vez que suas habilidade de condução e habilidades de reflexão estarão limitadas haja vista a sua atividade cerebral está condicionada com mais precisão para a outra ação no caso o ato sexual. Cabendo tambem o art 233 do CP uma vez que este ato se dá em local público (via pública) e de forma exposta ao público o que cobe ser corroborado através da fotografia que se anexa ao texto. Contudo achedito não haver crime contra a dignidade sexual, uma vez que a relação é consensual e não tipificada nos crimes contra a dignidade sexual, mas sim de atentado ao pudor.

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  11. Professor Milton, boa noite!
    Com base no que foi mencionado no texto supracitado, entendo incidir sobre o caso o Art. 34. “Dirigir veículos na via pública, ou embarcações em águas públicas, pondo em perigo a segurança alheia” tendo em vista que ao dirigir seu veiculo praticando ato sexual o mesmo não está somente colocando em risco a segurança própria como também de demais pessoa, e acredito também incidir o Art. 233 – “Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público”, posto que, o mencionado artigo deixa muito claro que praticar ato obsceno em lugar publica ou aberto é crime.

    Desirée Weyll
    5º Semestre

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  12. Contravenção penal, Crime de trânsito ou Crime contra a dignidade sexual?

    Diante do caso concreto, parece ser mais viável a aplicação do art. 34 da lei de contravenção penal que traz as consequências para quem dirige veículos na via pública, pondo em perigo a segurança alheia. Entretanto, não há diferença significativa entre crimes e contravenções, considerando que as duas espécies caracterizam ilícitos penais, apontando, a doutrina, como diferença entre ambas, a gravidade (ou quantidade de pena, conforme se depreende da exposição de motivos do Código Penal).

    Ednaldo Rosa Alves

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  13. Entendo que, neste caso, baseado na foto, é o que temos, o motorista só tinha intenção de fazer amor, o que é natural de todo animal, racional ou não. Não vejo tipificação no código penal pois ele não estava em lugar público e sim dentro do seu carro. Também não percebo o risco para terceiro. Portanto, afasto o CP e transfiro tudo para apenas uma multa administrativa como se ele estivesse dirigindo de sandália. Sonho que um dia não pensaremos mais em código penal e sim em multas administrativas. Damu Majid.

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  14. O criem á baila é contra a dignidade sexual. O art. 233 do CP é claro quanto a conduta descrita no caso olvida-se como a luva á mão, portanto o crime é contra a dignidade sexual.

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  15. O direito explica com maior clareza, a importância do CONEXÃO quando se trata da responsabilidade civil, entendemos que em um acidente de transito, o mais importante o que originou o acontecimento ao fato do outros envolvidos terem ou não a capacidade de conduzir o veículo (CNH, bebida e etc.). O que é mais importante neste nesta lide? O trauma de ver um casal copulando em um automóvel em movimento, coisa que a televisão e a internet exibem continuamente ou o risco de um acidente por imprudência? Qual o elo que envolve maior risco a sociedade? A conduta criminosa tipificada aduz que o ato deposita em risco a vida mais do que a moral.

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