TEM DE PAGAR TAXA!
Por: Milton Vasconcellos[1]
A
Câmara Municipal de Salvador aprovou no início desse mês uma lei que visa
regulamentar a prática de exercícios em espaços públicos prevendo ainda uma
taxa de exploração do espaço para o município de Salvador.
A
proposta é polêmica e desde já gera repúdio de diversos matizes, dos quais,
interessa-nos apenas o ângulo tributário da citada taxa que se quer criar.
Sobretudo considerando a legislação já existente do município de Salvador.
Espécie
tributária prevista no art. 145, II da CFRB, a taxa é um tributo vinculado,
quer dizer, é de sua natureza o caráter contraprestacional, sendo devida a
prestação de serviços públicos pelo valor pago a título de taxa. Desta
realidade, divide-se a taxa em dois tipos: as taxas de serviço: (devidas pela
prestação de um serviço público específico e divisível) e as taxas de polícia
(devidas pelo exercício do poder de polícia). Tais delimitações constitucionais
expressam os limites do legislador ordinário, que só pode criar novos tributos
dentro dos limites determinados pelo Constituinte.
Por
tal razão, a cobrança de uma nova taxa, pressupõe a perfeita adequação aos
limites citados, ou em outros termos a cobrança de uma nova taxa implica na
prestação de um serviço público (específico e divisível) ao contribuinte ou o
exercício do poder de polícia. Dito isso, indaga-se: qual serviço público é
prestado ao contribuinte quando se usa uma praia para realização de atividades
físicas?
Desta
pergunta, segue-se outra:
Ainda
que exista tal serviço prestado este é feito especificamente ao contribuinte
(serviço uti singuli) ou prestado à
comunidade em geral (serviço uti universi)?
A indagação é importante, pois apenas será devida a taxa pela prestação de
serviço uti singuli, sendo todos os
demais custeados por impostos.
Por
outro lado, defende-se a citada taxa, sob a alegação de que seria uma taxa de
polícia, cobrada nos termos da já conhecida taxa de licença para Exploração de
Atividades em Logradouros Públicos, cujo fato gerador é o licenciamento
obrigatório, bem como a sua fiscalização, quanto ao cumprimento das normas
concernentes, ordem, tranquilidade e segurança pública, consoante previsto no
art. 145 da Lei n.º 7186/06 (Código Tributário e de Rendas do Município de Salvador).
O que chama a atenção é que este mesmo
Código já prevê a possibilidade de taxa para o uso de atividades esportivas
realizadas em praias dentro do município, consoante se pode observar no art.
145, § 1, VI do Código Tributário e de Rendas do Município de Salvador:
Art.
145. A Taxa de Licença para Exploração de Atividades em Logradouros Públicos –
TLP, fundada no poder de polícia do Município, quanto ao uso dos bens públicos
de uso comum e ao ordenamento das atividades urbanas, tem como fato gerador o
licenciamento obrigatório, bem como a sua fiscalização, quanto ao cumprimento
das normas concernentes, ordem, tranquilidade e segurança pública. §1° Para os
efeitos deste artigo são atividades exploradas em logradouros públicos as
seguintes:
[...]
VI
- atividades recreativas e esportivas, inclusive as realizadas nas praias do
Município;
A guisa da previsão já existente, o já
citado Código prevê ainda algumas hipóteses de isenção, previstas no art. 150, in verbis:
Art.
150. São isentos da taxa:
I
- o vendedor ambulante de jornal e revista
II
- o vendedor de artigos de artesanato doméstico e arte popular de sua própria
fabricação sem auxílio de empregado
III
- cegos, mutilados, excepcionais, inválidos e deficientes físicos, que exerçam
individualmente o pequeno comércio ou prestação de serviços
IV
- meios de publicidade destinados a fins religiosos, patrióticos, beneficentes,
culturais, ou esportivos somente afixados nos prédios em que funcionem;
V
- placas, dísticos de hospitais, entidades filantrópicas, beneficentes,
culturais ou esportivas somente afixadas nos prédios em que funcionem;
VI
- cartazes ou letreiros indicativos de trânsito, logradouros turísticos e
intinerário de viagem de transporte coletivo
VII
- atividade de caráter religioso, educativo ou filantrópico, de interesse
coletivo, desde que não haja qualquer finalidade lucrativa e não veicule marcas
de empresas comerciais ou produtos
VIII
- Sindicatos, Federações e Centrais Sindicais;
IX
- as Organizações Não Governamentais, sem fins lucrativos, declaradas de
Utilidade Pública.
Parágrafo
único. Fica o Poder Executivo autorizado a conceder isenção da taxa a eventos
culturais ou desportivos apoiados institucionalmente pela Prefeitura.
Destas atividades listadas, destaca-se os
incisos três e nove, bem com o parágrafo único quando prevê a isenção para
cegos, mutilados, excepcionais, inválidos e deficientes físicos (desde que
exerçam individualmente o pequeno comércio ou prestação de serviços) e as Organização
Não Governamental, sem fins lucrativos, restando claro que se tais treinos
forem feitos por estas pessoas, estariam elas beneficiadas pela regra isentiva.
Por fim, cita-se ainda, o parágrafo único
a prever a possibilidade do Município pode eventualmente afastar a incidência
da taxa se o evento for apoiado institucionalmente pela Prefeitura.
Dessa forma, ao se postular criar uma nova
Lei prevendo taxa sobre idêntico fato gerador já existente, o Município na
prática cria um subterfúgio para “driblar” as isenções já existentes, haja
vista que com o novo Projeto de Lei -
que certamente não irá prever as isenções citadas do art. 150 - tais
normas não seriam mais aplicáveis, uma vez que nas hipóteses de isenções a lei
determina obrigatória regra de interpretação literal prevista no art. 111, CTN,
afastando-se assim a interpretação extensiva das isenções citadas para a nova
taxa pretendida pelo Município.
Em síntese: a possibilidade de se cobrar
taxas pelo uso de espaços públicos (como praias) para treinos físicos já é
hipótese de incidência da Taxa de Licença para Exploração de Atividades em Logradouros Públicos, criada
pelo Município de Salvador. Dessa forma ao se criar uma nova taxa com idêntica
hipótese de incidência, na prática, o Município estaria apenas burlando todo o
citado art. 150 e as hipóteses de isenção já previstas.
[1] Milton
S. Vasconcellos é Advogado, Pós graduado
em Direito do Estado pela FABAC, Professor de Direito Tributário e de
Hermenêutica Jurídica do Curso de Direito da Faculdade Apoio Unifass (Lauro de
Freitas).
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