quarta-feira, 28 de maio de 2014

RACISMO - PARTE I

As adversidades e injustiças que cercam a
discriminação racial no Brasil
Prof.ª Paula de Carvalho Santos Ferreira[1]

Este ensaio visa a refletir acerca das injustiças que cercam a vida dos negros ainda nos dias atuais, como se os mesmos não tivessem o direito de superar a época das trevas, quando foram feitos de escravos e não tinham direito à cidadania.

Inicialmente, oportuno citar que estudos apontam que a desigualdade social no Brasil nos remete a uma distribuição desigual das riquezas do país e que incide sobre brancos e negros. Todavia, os indicadores sociais revelam uma relação diretamente proporcional entre negritude e pobreza na sociedade brasileira.

De acordo com informações produzidas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia Estatística), IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e os resultados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) vêm mostrando a desigualdade dos indicadores sócio-econômicos entre brancos e negros, como ilustram os seguintes dados: dos 25 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza, condição definida para aqueles que não consomem o nível mínimo de calorias recomendado pela Organização das Nações Unidas, 70% são negros. Para cada 100 crianças brancas em situação de pobreza existem 170 crianças na mesma situação (Henriques, 2001 apud Carvalho, 2005).

O preconceito racial se manifesta na forma de discriminação racial quando um indivíduo negro tem sua trajetória de vida prejudicada por qualquer atitude motivada em um pensamento de inferioridade da sua condição.

Desse modo, considera-se discriminação racial qualquer atitude embasada em um estereótipo preconceituoso, seja ele, étnico, racial, nacional ou religioso que inferiorize, coloque em desvantagem ou tire a oportunidade de alguém.

Convém salientar que o Racismo é uma convicção de suposta superioridade de determinadas raças em relação a outras, baseada, especialmente, nas características físicas e em outros traços do comportamento humano do grupo.

Trata-se de uma opinião não científica, sem fundamentos, sobre uma raça humana que leva a uma tomada de posição depreciativa e, frequentemente, violenta relativamente a uma coletividade, apenas por ser diferente do que aqueles determinam como deveria ser.

Não obstante comportamentos e atitudes racistas sempre terem existido na humanidade, muitas vezes como reação de defesa de uma comunidade contra a invasão de outra diferente dela, o fenômeno do racismo se intensificou na época moderna, especialmente com a política colonialista das potências europeias.

De fato, o advento do racismo realmente ocorreu nos séculos XVI e XVII, sobretudo neste último, quando os europeus praticavam a escravidão e, há alguns séculos, escravizavam pessoas na África e no Novo Mundo. Assim, a história do racismo no mundo ocidental é amplamente associada à escravidão como a forma primitiva do colonialismo.

De certo modo, os brancos, os negros e os índios estabeleceram suas ideias de raça, em proximidade uns dos outros, através do contato. Diz-se que os britânicos não se tornaram traficantes de escravos e escravizadores por serem racistas, mas sim porque usavam escravos para obter grande lucro nas Américas e criaram um conjunto de atitudes em relação aos negros para justificar o que faziam. A verdadeira força motriz detrás do sistema escravocrata era a economia.

Nesse passo, milhões de africanos foram transportados através do Atlântico. Acorrentados e amontoados como animais, muitos morreram durante a viagem infernal conhecida como "Passagem Atlântica".

Nesse diapasão, os escravos eram considerados pessoas sem origem, sem história, sem raízes, sem terra, alienadas do seu país, ou seja, não tinham direitos sequer de nascimento. Então, por assim dizer, estavam socialmente mortos, expostos a tratamentos e condições degradantes, dando aos senhores de escravos um suposto poder absoluto sobre a vida e morte deles, que eram mantidos sem qualquer direito e obrigados a trabalhar dia e noite por um sistema de vigilância com chicotes e alfanjes.

Na antiguidade, os que defendiam a escravidão não se baseavam nas ideias de inferioridade racial ou cor da pele para justificá-la, e sim nas ideias de um dos grandes pensadores da antiguidade, que seriam adotadas no contexto da escravidão do Novo Mundo.

No Brasil, a discriminação racial tem sido um grande problema desde a colonização, na qual a escravidão foi imposta por nossos descobridores portugueses. Assim, na gênese da sociedade colonial brasileira, o nosso país foi tatuado pelo racismo e, especificamente, pela exclusão dos negros. Mais que uma simples herança de nosso passado, essa problemática racial toca o nosso dia a dia de diferentes formas.
Mister destacar a opinião de José de Souza Martins, em artigo intitulado “O Branco da Consciência Negra”[2]:

A consciência negra se propôs e vai se firmando entre nós através de um modo branco de ver o negro. O 20 de novembro, aniversário da morte de Zumbi, em 1695, celebração da luta do próprio negro por sua liberdade, é proposto como mais autêntica efeméride do que o 13 de maio, concessão do branco que, ao libertar o negro da escravidão, libertou-se a si mesmo da trama e das obrigações que o cativeiro lhe impunha em relação ao negro. Porque a escravidão não escraviza apenas o cativo, mas também a quem o cativa. Joaquim Nabuco, senhor de engenho, parlamentar e diplomata, numa das mais lúcidas constatações sociológicas sobre a escravidão, disse que o senhor e o escravo eram no fundo o mesmo.

Ainda nesse sentido, José Martins de Souza defende que em virtude da sua origem escravocrata, a sociedade brasileira constituiu-se como sociedade de privilégios mais do que de direitos, sendo que quem desfruta privilégios nos nichos corporativos da abundância descabida e injusta também padece a desumanização que o descabidamente ter impõe tanto a quem tem demais quanto a quem tem de menos. Leia-se: “Um negro rico, e eles existem e não são poucos, não será mais livre do que um negro favelado que vive de catar no lixo os restos de uma abundância excessiva e suspeita, que não é só de brancos e não é só de propriamente ricos.”

Oportuno registrar ainda que segundo Rainer Souza, em seu artigo “Democracia Racial”[3], o tal comportamento democrático está longe de ser alcançado e praticado no Brasil, vez que os brasileiros não se declaram negros ou ascendentes de negros e ainda fazem comentários jocosos em relação à cor da pele. Vejamos:

Em nossa cultura poderíamos enumerar o vasto número de piadas e termos que mostram como a distinção racial é algo corrente em nosso cotidiano. Quando alguém autodefine que sua pele é negra, muitos se sentem deslocados. Parece ter sido dito algum tipo de termo extremista. Talvez chegamos a pensar que alguém só é negro quando tem pele “muito escura”. Com certeza, esse tipo de estranhamento e pensamento não é misteriosamente inexplicável. O desconforto, na verdade, denuncia nossa indefinição mediante a ideia da diversidade racial.

Com frequência, pesquisas publicadas indicam que os brasileiros consideram que a raça interfere na qualidade de vida dos cidadãos, haja vista a escravidão africana instituída em solo brasileiro, mesmo sendo justificada por preceitos de ordem religiosa, perpetuou uma ideia corrente onde as tarefas braçais e subalternas são de responsabilidade dos negros e que o branco, europeu e civilizado, tinha como papel, no ambiente colonial, liderar e conduzir as ações a serem desenvolvidas.

Em outras palavras, uns (brancos) nasceram para o mando, e outros (negros) para a obediência. UMA CONDIÇÃO ABSURDA E INACEITÁVEL!!!



[1] Graduada em Direito pela Universidade Católica do Salvador, Especialista em Direito do Estado, Mestranda em Família Contemporânea pela Universidade Católica do Salvador, Advogada, Professora da Universidade Maurício de Nassau, da UNIFASS e da Universidade Regional da Bahia – UNIRB.
[2] In: Caderno Aliás, A Semana Revista, Estado de S. Paulo, 19 de novembro de 2006, p. J4.

Um comentário:

  1. O Esquecimento
    O passado negro representa a história dos meus ascendentes. Não quero esquecer, pelo contrário, quero contar para meus filhos e netos, quero escrever para deixar registrado. Pergunte a um judeu se ele quer esquecer o holocausto ? Pergunte a um japonês se ele quer esquecer as bombas ? Portanto, por que eu devo esquecer a minha história ? Por que devo esquecer que apanhamos no Brasil perverso ? Quem esquece sua história, não sabe de onde veio, não sabe onde está, não sabe para onde ir.
    Damu Majid

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