A
ESTRUTURAÇÃO DO DIREITO CIVIL BRASILEIRO
Prof.
Rubem Valente[1]
Desde os primórdios das
civilizações os homens mantêm relações jurídicas das mais variadas, sendo que o
direito civil, ramo do direito que regulamenta a relação entres os
particulares, que começa antes do nascimento e perdura até depois da morte,
expressão evidente da autonomia da vontade nas relações jurídicas, inegavelmente,
possui papel de destaque na vida social. Além disso, numa perspectiva moderna, assume
ainda papel relevante na proteção de valores existenciais no que toca a esfera
de direitos intersubjetivos das relações privadas.
Por outro lado, a história
do direito civil, apesar de muitos fazerem referência ao direito romano,
contempla influencias marcantes, em sua estrutura, na modernidade. De Roma
trouxemos apenas uma feição residual, porque o corpus iuris civilis abrangia toda a matéria que não fosse Direito
Penal. Portanto, a estrutura do direito civil, tal como conhecemos hoje, foi
estruturada a partir de 1804, quando da edição do primeiro grande Código Civil
da era moderna, o Código Napoleônico – Codede
France. Sua importância se deu em razão de ter sido elaborado no momento da
ascensão da Revolução Francesa. Assim, o
Código Frances levou para o âmbito jurídico os ideais da revolução francesa:
igualdade, liberdade e fraternidade (FARIAS, 2007).
Tudo que se desejava
nessa época era combater o absolutismo estatal, ou seja, o particular deveria
ser autônomo, a propriedade privada era valor inalienável, o juiz deveria, tão
somente, realizar o trabalho de subsunção da norma. Afinal, os juízes, de
regra, compunham a classe da vulnerada aristocracia. Nesse contexto, a presença
do Estado foi combatida, expurgada do direito civil. As relações civis seriam
entre pessoas livres e iguais, sendo que a presença do Estado, nesta seara, era
considerada invasiva, posto que, no entender da época,afetaria a liberdade e a
igualdade das partes. Houve, nesse momento, a clara separação do direito entre
público e privado.
Após o Código Civil Francês,
o Código Civil Alemão foi o segundo grande código da era moderna. Todo código
reclama valores, princípios norteadores, mas é importante que se firme existirem
diferenças entre compilação[2] e
consolidação. Nesse contexto, o referencial histórico dos códigos francês e
alemão era o individualismo e o patrimonialismo, posto que era necessário, naquele
momento tutelar, sobretudo, o patrimônio
e o indivíduo.Para proteger o patrimônio da pessoa individualmente considerada,
entendia-se necessário expulsar o Estado das relações jurídicas e conflito
entre particulares.
No Brasil, a primeira
norma que regulou o direito civil foi a C.F de 1824. Em seu art. 179, havia a
previsão de elaboração, em um ano, de um Código Civil e outro criminal. Em 1832
foi editado o criminal. Em 1865, houve a contratação de Teixeira de Freitas
para preparar um projeto de Código Civil, que tinha cerca de cinco mil artigos,
o qual solidificou as relações privadas, civis e comerciais. O aludido códex não foi aprovado. Muitos
civilistas entendem que aquele era um código bastante avançado para a época.
Hoje, o projeto de Teixeira de Freitas é o Código Civil da Argentina, que é um
dos melhores códigos existentes no mundo (FARIAS, 2007).
De mais a mais, até
abril de 1899, não houve a edição do Código Civil. Foi contratado, dessa feita,
Clóvis Beviláqua, que preparou o projeto de um código civil e em outubro de
1899 o apresentou. Rui Barbosa, que era senador, impugnou todos os artigos e só em
1.916 o projeto foi aprovado e entrou em vigor em 1.917. Assim, o Código ficou
em debate no Congresso por 16 anos. Os valores que norteavam o Código Civil eram
os daquela época, logo os principais valores norteadores foram o
patrimonialismo e o individualismo.
Silvio Rodrigues (2002)
dá o exemplo da tutela, colocação de um menor órfão em uma família substituta,
onde 24 artigos tratavam do tema e 23 se referiam ao patrimônio do menor e apenas
um artigo falava do tutor. Havia, pois, uma preocupação em combater o
absolutismo estatal, tendo o CC/16 acompanhado os Códigos Frances e Alemão.
O CC/16 nasceu para
regulamentar todas as relações privadas. Trazia consigo a intenção de
regulamentar todas, sem exceção. Quando entrou em vigor, começaram a surgir
conflitos de interesses privados não regulados expressamente no CC/16. Nesse momento, décadas de 30 e 40, as cartas
constitucionais, não regulavam matéria de direito privado, mormente,
porque passou a surgir uma evidente divisão entre direito público e privado.
Exemplo disso foi o apelido que se deu à Constituição Federal, Carta Política,
porque tinha o papel de regular especificamente a estrutura política e
administrativa do Estado.
O CC/16 era chamado,
nessa época, por tudo quanta exposto anteriormente, de “Constituição do Direito
Privado”. Isso porque as cartas políticas não versavam sobre direito privado,
sendo que o CC/16 tornara-se um eixo normativo que servia de referência para
todas as relações privadas. Outro fato marcante, que reforça o supra afirmado,
foi simplesmente uma Lei Ordinária, no caso o CC/16, ter sobrevivido a seis
Constituições, sem que nenhuma tornasse a matéria do CC com elas incompatível.
Essa era a prova de que havia um sistema de direito privado fora da
Constituição, sem sequer se preocupar com ela. O CC/16 era, portanto, a grande
norma, que irradiava os microssistemas jurídicos, que eram o Código de Águas,
Estatuto da Mulher Casada, Lei de Registros Públicos etc. Dessa forma, sempre
que surgia uma nova relação jurídica que não tinha previsão no ordenamento,
erigia um microssistema para preservar as ideais do CC/16, ou seja, o
individualismo e o patrimonialismo.
Nessa ordem de idéias,
a estrutura do Direito Civil foi sempre infraconstitucional, voltada ao
patrimônio da pessoa individualmente considerada. Esse quadro permanece até a
data de 1988, quando do advento da Constituição Federal. Esta abandonou o
caráter neutro e indiferente das que lhe antecederam, inspirada pelo
neo-constitucionalismo, chamou para si a responsabilidade de regulamentar não
só o direito público, mas também o privado.
BIBLIOGRAFIA
FARIAS,
Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito
Civil: Teoria Geral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
RODRIGUES,
Sílvio. Direito Civil – Parte Geral,
32aed. São Paulo: Saraiva, 2002, vol.1.
[1] Rubem Valente é
Advogado com atuação em soluções alternativas de conflitos, Pós-graduado em
Direito Processual Civil. Aluno do Doutorado em Direito Civil pela Universidad
de Buenos Aires (UBA – Argentina), Professor de Sociologia e Sociologia
Jurídica, bem como de Direito Civil da Faculdade APOIO UNIFASS, além de ser
professor de vários cursos preparatórios para concursos, tais como LFG,
UNIEQUIPE e do Complexo Renato Saraiva.
[2] Compilação é um
agrupamento de normas já existentes em ordem cronológica. Já a consolidação
também é um agrupamento de normas já existentes, mas não é um agrupamento em
ordem cronológica, sendo um agrupamento da matéria feito de forma sistemática.
Por sua vez, a codificação se contrapõe das outras figuras porque nela há um
agrupamento de normas que serão elaboradas para disciplinar uma matéria. É
extremamente valorativa, porque todas as normas que serão elaboradas devem ser
submetidas a valores, diretrizes comuns. A codificação estabelece um grupo de
normas sobre uma matéria é um grupo de normas que têm os mesmos valores. São,
portanto, Normas que estão sujeitas a valores comuns. Enquanto a compilação e a
consolidação não trazem valores comuns (porque editadas em diferentes
momentos), toda codificação é valorativa.
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