Por: Milton Silva Vasconcellos[1]
Por ocasião do julgamento do Habeas
Corpus 126.292, em fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal Federal trouxe uma
nova interpretação acerca da execução da pena, atingindo diretamente o
princípio da presunção de inocência, previsto no art. 5, LVII, CF-88.
De acordo com a Suprema Corte, doravante, o início imediato da
execução da pena condenatória após a confirmação da sentença em segundo grau, não ofende o citado princípio da presunção de
inocência.
Em termos literais, se
o duplo grau de jurisdição resta de fato cumprido, uma vez que há um segundo
julgamento que confirma a sentença condenatória, o que se dizer acerca do
princípio da presunção de Inocência?
Previsto
no art. 5, inciso LVII, da CF-88, o princípio da presunção de inocência
encontra-se disposto sob os seguintes termos:
Art. 5 [...]
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória; (BRASIL, 1988).
Trata-se de um dos
princípios basilares do Estado de Direito, concretizador da garantia processual
penal que visa a tutela da liberdade pessoal, direito fundamental que prevalece
diante do confronto ao jus Puniendi.
Para o relator do caso,
ministro Teori Zavascki, a possibilidade de eficácia do princípio da presunção
de inocência exaure-se com a possibilidade de exame dos fatos o que se dá até a
decisão de segunda instância, uma vez que deste ponto em diante os recursos
tratam apenas de matéria de direito.
Nesse sentido pontua o
relator, Ministro Teori Zavascki:
[...] até que seja prolatada
a sentença penal, confirmada em segundo grau, deve-se presumir a inocência do
réu. Mas, após esse momento, exaure-se o princípio da não culpabilidade, até
porque os recursos cabíveis da decisão de segundo grau, ao STJ ou STF, não se prestam
a discutir fatos e provas, mas apenas matéria de direito. Ressalvada a estreita
via da revisão criminal, é no âmbito das instâncias ordinárias que se exaure a
possibilidade de exame dos fatos e das provas, e, sob esse aspecto, a própria
fixação da responsabilidade criminal do acusado”
Apesar de "tentador",
sob o ponto de vista hermenêutico, tal
conclusão gera um absurdo hermenêutico: faz prevalecer uma norma ordinária (Lei
n.º 7210/84 - Lei de Execução Penal)
ante um texto normativo constitucional (art. 5, LVII, CFRB),
invertendo-se assim por completo a conhecida lógica de hierarquia das normas
jurídicas proposta pela estrutura piramidal de Kelsen.
Ademais, o argumento do
STF pauta-se numa
necessidade de se ouvir o "clamor
social" diante da sensação de impunidade gerado por processos longos e regidos
por um complexo sistema recursal, que
terminaria por fazer do duplo grau de jurisdição um instrumento burocrático e
permissivo que quase sempre permite a prescrição penal.
O argumento além de falacioso é "perigoso".
Afirma-se isso pois além de carecer de fundamentação racional
a não aplicação da presunção de inocência às matérias de direito, bem como o
condicionamento da compreensão jurídica a submissão da vontade popular é algo
no mínimo surreal.
Deve-se destacar que, além do aspecto hierárquico, as normas
constitucionais singularizam-se face seu conteúdo e linguagem, com reflexos
diretos na interpretação destes textos.
Assim, considerando seu conteúdo, o texto
constitucional não se limita ao caráter prescritivo,
existindo também normas de organização, dotadas de maior abstração e natureza
principiológica,(justamente a hipótese do princípio da presunção de inocência)
que, do ponto de vista hermenêutico, impõe ao intérprete uma conduta diferente
haja vista que ele não pode simplesmente "descartar" uma norma e
fazer prevalecer outra (como comumente ocorre entre as regras, regidas normalmente
por lógica de subsunção), mas sim, respeitando a natureza principiológica da
norma envolvida, mensurar, in concreto,
por lógica de ponderação, alcançando assim um resultado hermenêutico mais
adequado, haja visa que o princípio da presunção de inocência atrai - face sua
natureza principiológica - uma linguagem peculiar, dotada de caráter mais abstrato e, por consequência menor densidade
jurídica permitindo-se assim, um maior grau de discricionariedade ao
intérprete.
Mas, ainda assim, mesmo sob o manto dessa pretensa
discricionariedade negar eficácia ao
princípio da presunção de inocência sob o argumento de tratar-se de matéria de
direito ou da necessidade de se ouvir o "clamor social", assemelha-se
na prática a uma estranha Hermenêutica que, se por um lado reage à impunidade,
por outro, mata o princípio da presunção de inocência.
[1]
Milton Silva Vasconcellos é Advogado baiano, Pós graduado em Direito do Estado
pela FABAC. Professor de Direito Tributário, além da cadeira de Hermenêutica e
Argumentação Jurídica da Faculdade Apoio UNIFASS (Lauro de Freitas-Ba). Autor
do Livro "Noções de Hermenêutica Jurídica" (2015).
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