terça-feira, 11 de março de 2014

O “LEPO LEPO” FISCAL DO MUNICÍPIO DE SALVADOR

Por: Milton Vasconcellos[1]

Registre-se desde já que não sei dançar o Lepo-Lepo. Aliás, não sei dançar nada! Nunca Soube.  Contudo, afora minha plena ignorância em assuntos “lepo-lepísticos”, interessei-me pela expressão da música vencedora do Carnaval de 2014 e que já ganha o mundo, sobretudo quando deparei com a “nova” lei que imputa aos proprietários a responsabilidade pela manutenção das respectivas calçadas inerentes aos seus imóveis.

Adiante-se desde já que a lei não é tão nova assim, na verdade é antiga (data do século passado) a previsão normativa que obriga ao proprietário a responsabilidade pela manutenção das calçadas prevista no Código de Polícia Administrativa (Lei 5503/99) mas  que volta à tona agora por ocasião do Programa “Eu curto meu passeio – Salvador acessível a todos”, desenvolvido pela Prefeitura de Salvador que visa promover a recuperação das calçadas do município, com foco na mobilidade e na acessibilidade. Até aí, tudo bem. Pensar na acessibilidade é sem dúvidas um tema que interessa a todos (e não apenas à pessoas com deficiência como normalmente se faz). O problema, contudo, decorre do fato de que o direito tem compreensão sistêmica e, quando mudamos uma parte dele, reverbera para todo o conjunto.

Afirmo isso, pois desde 2000, por ocasião da EC-29, alterou-se o parágrafo  primeiro do art. 155 da Constituição Federal, admitindo-se doravante a progressividade de alíquotas no IPTU em razão do valor do imóvel. Em brevíssima síntese, isso quer dizer que doravante admite-se que, os municípios em exercício de suas respectivas competências legislativas, alterem as alíquotas do seu IPTU em razão do valor do imóvel, tendo gradação na proporção em que se aumenta o valor do imóvel. 

Não vou aqui entrar em detalhes acerca desta mudança, mas desde já digo que não vejo com bons olhos a novel norma pois em nada atinge e altera o paradigma de injustiça fiscal. O discurso de que quem ganha menos, paga menos é aqui inadequado pois o IPTU é um imposto real, logo é irrelevante características pessoais do contribuinte, uma vez que toma-se como parâmetro apenas a matéria tributável. Em outras palavras, se um assalariado torna-se proprietário de um imóvel que valorizou-se por quaisquer motivos, a alíquota do seu imposto a pagar será alterada, sem contudo ser observada quaisquer mudanças em sua capacidade contributiva. Logo,onde está  a justiça fiscal?

Mas onde entra o “Lepo-Lepo” do município de Salvador? Simples.

Por um lado, imputa-se ao proprietário a responsabilidade pela manutenção das calçadas do imóvel e por outro tributa-se a mais por isso. Ou seja, o contribuinte não pratica o fato gerador ele é obrigado a fazê-lo e por consequência paga mais tributo.

Ou seja, imagine que por hipótese, o proprietário muito diligente, cuide de forma impecável de sua calçada, de forma tal, que termina por agregar valor ao imóvel como um todo. Nesse caso, uma vez valorizado, aplicar-se-á a alíquota progressiva do IPTU e, por consequência, majora-se o valor a ser pago, eis o “Lepo-Lepo” fiscal.

Não sei o exato significado da expressão “Lepo-Lepo”, mas a considerar a letra da música só posso concluir que o Fisco municipal nesse caso passou a gostar muito mais de você, ainda que não tenhas carro ou casa, basta ter uma calçada.




[1] Prof. Milton Vasconcellos é Advogado,  Especialista em Direito Público (FABAC), Professor de Hermenêutica, Direito Tributário e Direito Penal da Faculdade Apoio Unifass.

4 comentários:

  1. isso é uma forma da prefeitura se eximir da responsabilidade, haja vista que, eles não pensam quando abre crateras nas casas dos outros, ou quando destroem causando desgraças com projetos falidos, ou então quando estouram pneus dos outros, ele quer compensar as perdas de receitas, que já por se só já é, no mínimo ridicula.

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  2. Belo texto! Vai ver que foi por isso que o atual prefeito tanto ficou encantado com a música, dada a semelhança com o programa do "passeio". Mais um assalto à mão-armada ao já tão combalido contribuinte brasileiro, em especial o dos grandes centros urbanos, que não veem o produto arrecadado sendo utilizado nos principais serviços públicos. Mais uma vez o ensaio e a alegoria ao Lepo-Lepo (Hino do Carnaval 2014) estão elogiáveis! Parabéns!

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  3. Parabéns, Milton! O texto é elucidativo, inteligente, e a analogia extremamente pertinente! Abs!!

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